9 de julho de 2008

Carta ao filho que ainda não nasceu

Nossa ilustre leitora Carla Marin encontrou em seus alfarrábios uma cópia do tal texto que eu havia citado no post anterior. Reproduzo o mesmo aqui, na íntegra:

Sexta-feira, Janeiro 25, 2002 - 13:17

Querido filho:

Você ainda não nasceu, mas eu já tenho muitas coisas para dizer. Melhor começar agora.

Não sei se você é homem ou mulher. Se você é um, dois, gêmeos, ou o que quer que seja. Eu também não sei quem vai ser sua mãe. Talvez eu até adote você. Talvez você sequer nasça. Mas, de repente, você é a única pessoa do mundo com quem eu gostaria de falar. Isso não importa agora.

O que importa é que eu levei muito tempo para aprender várias coisas que teriam me poupado muita preocupação se eu tivesse aprendido antes. Mas, na verdade, se eu tivesse aprendido antes eu não teria aprendido direito. Comece pensando nisso: tudo chega na hora certa. As pessoas aparecem e desaparecem da sua vida na hora certa. As idéias vêm e vão da sua cabeça na hora certa. Isso acontece por um motivo muito simples: não existe hora certa.

As coisa simplesmente acontecem, filho/filha. Você é uma pessoa, e o mundo onde você vive tem mais de 6 bilhões de pessoas. Talvez já tenha mais de 7 ou 8 bilhões, quando você tiver nascido. Você é uma formiga minúscula num formigueiro gigante cheio de formigas que andam pra lá e pra cá sem pensar muito no seu propósito na vida.

E essas formigas sofrem, filho (vou parar de dizer filha, porque pra mim não vai fazer muita diferença se você tem pinto ou não). Essas formigas sofrem, filho, ou pensam que sofrem. Pode ir se acostumando a ouvir reclamações por todo lugar que você for. E quando não estiver ouvindo reclamação nenhuma, aí você mesmo vai começar a reclamar. Acredite, é um impulso incontrolável. Reclamar muito. Evite, se possível. Mas nunca se envergonhe disso.

Aprenda desde cedo a reclamar de coisas coerentes. Você vai ouvir muitas pessoas reclamando de coisas que você vai julgar fútil. Você vai dizer isso a elas, e elas vão te odiar muito por isso. Relaxe. Ninguém vai te amar ou te odiar com tanta força quanto você pensa. Talvez eu ame. Ou sua mãe. Sua família sempre vai te amar, por mais que eles não liguem muito pra você. Parentes distantes vão te amar mais do que todas as suas namoradinhas juntas. Acredite em mim. Talvez leve décadas até isso fazer sentido. Mas mantenha isso em mente.

Outra coisa. Se você quiser agradar as pessoas, nunca diga a elas o que você pensa. Como você mesmo vai perceber, a opinião dos outros pode nos deixar muito irritado. Mas você também é "os outros". Muita gente vai ficar com raiva. Mas é melhor você dizer o que pensa logo de uma vez. Prepare-se para ouvir palavras que vão te magoar muito, mas muito mesmo. E você não vai poder chorar. Porque vão te chamar de fraco, e você vai ficar mais magoado ainda. Relaxe. Diga a verdade e saia correndo.

Quando eu estiver bem mais velho do que sou hoje, e você tiver a idade que eu tenho enquanto escrevo essas palavras, venha até mim e me pergunte sobre a época que estou vivendo agora. Eu vou me lembrar de algumas músicas, alguns filmes, programas de televisão, e uma ou duas pessoas. Eu conheço centenas de pessoas. Algumas delas me param na rua sem nem saber meu nome, só pra me perguntar coisas que elas sabem que eu sei. Converso com todas com a maior boa vontade do mundo, porque eu simplesmente adoro todas as pessoas do mundo. Mas em muito pouco tempo, todas elas farão parte do passado. Um belo dia elas vão levantar da cama de manhã e simplesmente esquecer que eu existo. E quando se lembrarem de novo, eu serei uma simples recordação. Poucas delas sequer vão se lembrar do meu nome. Muitas delas sequer conhecem o meu nome.

Estou te dizendo isso, filho, na vã esperança de te poupar alguns sofrimentos. Bem, pelo menos você vai pensar que são sofrimentos. Vai se achar miserável, uma vil criatura, um sujeito muito filho da puta. Ou então vai pensar que Deus te odeia e jogou o mundo inteiro em cima de você. Em horas como essa eu vou te pegar no colo e te xingar muito, porque você vai ser um filho da puta muito sortudo. Assim como eu. Você nunca vai passar fome, sede, frio, ou dormir na chuva, no meio dos carros. VocÊ não vai ser judeu, muçulmano, preto, índio, ou sikh. Você nunca vai perder seus pés numa mina terrestre, ou levar tiros de uma guerra que não lhe diz respeito. Você vai ser muito feliz, mas dificilmente vai se dar conta disso. Quando eu estiver por perto, vou tentar fazê-lo se lembrar disso.

Eu tentei ajudar as pessoas à minha volta, mas muitas delas ficaram com raiva de mim. Parei de me magoar com isso há algum tempo, sabendo que não tem importância. É bom ter amigos, e pessoas gentis que te tratam bem. Mas sorvete de limão também é muito bom. Milhares de pessoas vão passar pela sua vida, e você pela vida delas, como se vocês fossem carros na estrada da vida. Se o seu carro quebrar na beira da estrada, qual deles vai parar para te ajudar? Pense nisso.

E aprenda a trocar os seus próprios pneus. Um dia, eu e sua mãe não estaremos lá para fazer isso por você.

Um dia você vai ensinar seus filhos a trocar os pneus deles.

Tem sido assim há séculos. Desde muito antes de inventarem os pneus.

Não estou me importando em fazer sentido, porque sei que você nunca vai ler nada disso. Mas estou ensaiando para quando você chegar. Enquanto isso, continuo procurando a sua mãe. Ela deve estar por aqui em algum lugar.

Um abraço do seu pai que te ama muito,

Daniel

4 comentários:

Anônimo disse...

Bem, você achou a mãe do seu filho :)

E espero que quando ele (ou ela...) ler essa carta (o cache do google está aí pra isso, ele VAI ler), já tenha tomado muitos sorvetes de limão. Naquela sorveteria de esquina perto da Onofre da vaquinha, se bem me lembro.

Sorvete, sim, isso é importante - porque sempre inclui os pais, inclui a responsabilidade de escolher algo entre opções difíceis... é tanta coisa embutida naquela casquinha que você nem imagina.

Mas vai aprender na prática.

Pat disse...

Quando tinha uns 10/12 anos, perdia noites ouvindo programas de música romântica no rádio e chorando por um amor que não conhecia, mas sabia existir. Quando ele chegou e me fez muito mais rir que verter lágrimas percebi que, por mais estranho que possa parecer, o estoque de amor é sempre nosso, vive em nós. E, viva!, que a realidade pode ser melhor que nossas expectativas tantas vezes desejosa de um sofrimento que parece nos deixar mais interessantes ou sábios.
Seu filho é realmente um sortudo.

Unknown disse...

Talvez,ainda, filho que não tive, farás tudo ao contrário do que vos digo agora, e então descobrirás na própria pele que se aprende mais com erros anunciados, que embora sejam mais dolorosos, talvez vos ensinem mais do que se esquivar do sofrimento ao aprender com erros erros alheios. E nisto não há culpa alguma; por vezes terás que quebrar a cara no muro para poderes dizer com propriedade sobre idiossincráticas consequencias. Pois se permitir errar mais de duas vezes não é burrice,como dizem hoje e dirão amanhã, mas sim, poderá ser uma maneira que tu terás de dizer que nunca desistirás da humanidade.

Unknown disse...

Talvez, ainda, no intento protecionista eu queira vos proteger da selvageria do mundo, alardear os perigos ilusórios das drogas e afirmar seus malefícios, no entanto, quero que saiba antes que tu descubras às ocultas: as drogas não são coisas ruins, em alguns casos são a cura e noutros funcionam como amenizadoras de tristes dores existenciais, posto que assim como tudo na vida, ministradas em doses moderadas vos servirá de paliativo para se manter de pé, vivo, e que em excesso, até o amor pode matar, bem como a água que pode afogar. Tenhais cautela sempre,filho que ainda não nasceu, pois vossos olhos sempre poderão ver o que não representará a verdade, qual vossos ouvidos captarão enganosos sons. Duvidai sempre daqueles que pregam radicalismo. Não te atormentais com vigilantes atitudes bondosas e caridosas temendo reciprocidades ditadas por leis universais, ou por supostos castigos divinos. Eviteis fazeres as coisas certas e justas por crer em Deus. Tudo o que fizeres penseis no que gostarias que a tu o fizessem; exercei a bonomia sem nada esperar em troca, a recompensa mais valiosa que receberás será sentir plenamente tua consciência além de leve impoluta.Em hipótese alguma duvideis dos semelhantes, pois contrapondo escrituras ditas sagradas não serás maldito, em verdade estarás vos declarando também digno de confiança.