31 de julho de 2008

Só a noite é que amanhece

Eu nunca entendi a lógica do meu relógio biológico.

Minha relação com o sono e os horários sempre foi meio maluca, desde que eu era bem pequeno. Tinha uma dificuldade enorme para acordar de manhã e ir para a escola - parte disso influenciou o meu desempenho acadêmico risível até a faculdade. Acordar às 6 da manhã sempre foi um martírio para mim, qualquer que fosse a hora em que eu fosse dormir na noite anterior. Quando eu tinha 5 ou 6 anos de idade, meu hobby preferido era esperar meus pais irem dormir, sair do quarto silenciosamente, ir até a sala, ligar a televisão, e ficar assistindo filmes e seriados até o sol nascer.

Estou falando nisso porque ontem fui dormir às 2 da manhã e hoje acordei espontâneamente às 7. Sem dor de barriga, sem barulho no vizinho, nada do tipo. Eu apenas acordei e não consegui mais dormir.

Esse horário da manhã é muito esquisito. O sol está lá no alto, tudo está claro e iluminado, mas ainda está um pouco frio da noite. A rua não está barulhenta como vai estar ao meio-dia, e as pessoas que você vê na rua estão todas em um estado de consciência alterado, pensando em como a cama delas estava quentinha e como vai ser chato encarar mais uma manhã de trabalho e de aula. As pessoas que andam na rua nesse horário são sempre mais deprimentes do que as que voltam para casa às 5 da tarde.

Entre os 15 e os 17 anos de idade eu tive uma fase em que tinha que ir a pé até o colégio todo dia de manhã. Eu acordava por volta das 6 da madrugada, e descia o morro a pé com meu irmão e mais dois colegas que moravam ali perto. Era uma forma que tínhamos de nos incentivarmos uns aos outros para encarar mais uma manhã de martírio intelectual.

Às vezes aparecia o doidão corredor.

Era assim. Fazia um frio brutal, 6:30 da manhã, todo mundo passando mal de sono e de frio, enrolado com casacos e cachecóis e morrendo de ódio do universo por ter que acordar naquele horário para ir à aula, e de repente ouvíamos aquele barulho vindo pela rua. Passos. Passos rápidos e espaçados. Súbito, lá vinha ele: um metro e oitenta, pele cor-de-rosa, óculos de aro fino, cabelo volumoso cheio de fios brancos, cerca de 45 anos de idade, barbudo, sem camisa, com um short Adidas bem curto e tênis. E um relógio enorme no pulso, que certamente media seus batimentos cardíacos. Ele passava correndo no meio da rua, ofegante, triunfante, dono do asfalto, se achando muito esperto.

Talvez ele até fosse um cara legal, bom pai, patrão bondoso, etc. Mas eu tinha um tipo estranho e específico de ódio por esse cara.

Mas não era bem disso que eu queria falar.

É que eu acho engraçado como as horas do dia têm personalidade, assim como os dias da semana. Da mesma forma que as segundas são uma droga, as quintas são mais divertidas do que as sextas, e os domingos são deprimentes e entediantes, também as horas do dia têm duas características.

Independente da hora em que eu acordei, meu dia sempre começa por volta das onze da manhã, uma das horas favoritas dos trabalhadores de todo o mundo. Até as 10:59 ainda estamos presos no "time slot" na manhã: reuniões, aulas, conversas com o chefe, levar esporro de cliente, etc. A partir das 11:00 já chegamos na zona de conforto do almoço.

Chega então o meio-dia, o horário de almoço oficial de 99,99999% dos ratinhos de laboratório do mundo. Correndo em suas rodinhas de arame, eles invadem os self-selfs do mundo inteiro com suas pastas, bolsas, sacolas, mochilas, e um transbordante sentimento de "pressa responsável", como se pudessem justificar sua existência no mundo com a grosseria com que exigem a rapidez no atendimento; como se o fato de comerem meio quilo de comida em apenas cinco minutos fosse um símbolo de status. Eu, que não sou louco, jamais almoço ao meio-dia, pelo mesmo motivo porque eu não pego trânsito às 6 da tarde e não viajo no dia 23 de Dezembro à noite. Espero calmamente até as 13:30 para só então descer até a rua e escolher calmamente em qual das diversas cadeiras vagas do restaurante eu vou querer me sentar.

Depois do almoço vem a tarde. As 4 da tarde são um horário importante para quem precisa ir ao banco. Mas é às 3 da tarde que as coisas acontecem. 17:00 já não é uma hora muito bacana - está se aproximando o fim do expediente, o sol está indo embora, e logo logo vamos estar encarando um trânsito infernal, enquanto a luz e o calor do sol vão embora e o ar começa a ficar mais frio.

Esse horário do pôr-do-sol é o mais deprimente de todos. É quase que uma granada de domingo que explode todos os dias da semana. Deve ser alguma coisa no meu DNA, que fica deprimido toda vez que vê o sol indo embora. Conscientemente, eu fico feliz, porque odeio luz na cara, calor e coisas do tipo. E, mesmo assim, o pôr-do-sol sempre me deixa melancólico.

Chega então o polêmico horário das 19:00. Sete da tarde ou sete da noite? Isso divide o mundo em dois, assim como a cebola, a Sofia Copolla e os argentinos.

Por volta das 20:00 eu fico mais tranqüilo. Semanticamente seguro. Agora é noite mesmo, com certeza. Horário de verão ou não, às 20:00 já está escuro. O céu está cheio de estrelinhas, e chega a hora do jantar, que é a minha refeição favorita do dia. Não sei por que mistérios o jantar é sempre melhor do que o almoço, independente do cardápio. A não ser que seja dia de sopa.

Chegam então as 22:00 (estou pulando algumas horas de propósito - detesto horas ímpares) que sempre foi um horário tabu na minha infância. Para acordar às 06:00 eu tinha de estar dormindo às 22:00, e ver o relógio mostrar qualquer minuto além disso era sinal de tragédia. Hoje em dia tento lutar contra esse trauma - 22:00 é o horário em que eu começo a pensar em trocar de roupa para ir à academia, ou para sair com os amigos.

A meia-noite é um horário decisivo. A partir daqui, nenhum trabalhador digno e honesto, temente a Deus, está acordado. A não ser que esteja de pijama, deitado no sofá, vendo o Programa do Jô. É aqui que se separam os homens dos meninos, os seres humanos dos vampiros e lobisomens.

Surge então a madrugada - 01:00 é uma ótima hora para comer, principalmente se você jantou por volta das 21:00 ou 22:00. O difícil é achar um lugar bom e barato aberto, ou então vencer a preguiça e encarar o fogão enquanto todo o resto do mundo (no seu fuso horário) está dormindo.

Passam as 2, as 4, e finalmente vem chegando o limite da madruga, que são as cinco horas da matina. Nesse horário alguns malucos já estão acordando, o padeiro já está lavando as mãos, e os malditos passarinhos já começaram a cantar. É um péssimo horário para tentar dormir, especialmente se você está na rua bêbado igual a um gambá e fedendo a cigarro. É também o horário perfeito para conhecer a mulher da sua vida que vai ser mãe dos seus filhos.

Por volta das 6 já começou a palhaçada, e a romântica e poética madrugada tornou-se agora o vulgar e desprezível horário proletário. Os ônibus já trafegam em plena velocidade, poluindo o ar e os ouvidos de toda uma civilização. Vigias e porteiros trocam de turno, padarias começam a vender pão de bromato quentinho, e a televisão começa a falar abobrinhas, com "notícias" de Brasília e a cotação do dólar.

Mas meu estômago é fraco demais para testemunhar tudo isso. Quando chega essa hora, quero estar dormindo, para deixar bem claro que eu não tenho nada a ver com isso.

30 de julho de 2008

Sabedorias do meu avô



"Se queres conhecer o vilão,
dê-lhe o poder na mão."

(hoje o Zimbabwe cortou 10 zeros da sua moeda - a partir de hoje, 10 bilhões de dólares zimbabwanos passam a valer 1 cruzado zimbabwano)

23 de julho de 2008

George Carlin 2

Em ano de "eleições" no Brasil e nos EUA, acho que esse texto vem bem a calhar:

"Esqueça os políticos. Os políticos são colocados lá para te dar a impressão de que você tem liberdade de escolha... mas você não tem. Você não tem escolha. Você tem donos. Eles são seus donos. Eles são donos de tudo. Eles são donos de todas as terras que importam. Eles são donos das corporações e as controlam. Eles já compraram a muito tempo o Senado, o Congresso, os governos estaduais, as prefeituras, os fórums, eles têm os juízes guardados nos bolsos e eles são donos de todas as grandes empresas de mídia, então eles controlam todas as notícias e informações que você recebe. Eles te pegaram pelo saco. Eles gastam bilhões de dólares todo ano fazendo lobby... para conseguir o que querem... Bom, nós sabemos o que eles querem. Eles querem mais para eles mesmos e menos para todo o resto das pessoas, mas eu vou te dizer o que eles não querem... eles não querem uma população de cidadãos capazes de pensamento crítico. Eles não querem pessoas bem educadas e bem informadas capazes de pensamento crítico. Eles não estão interessados nisso... isso não ajuda eles. Isso vai contra os interesses deles. É isso aí. Eles não querem pessoas espertas o suficiente para se sentarem em volta de uma mesa e pensarem sobre como eles estão sendo sacaneados por um sistema que os deixou na mão há uns 30 anos atrás.Eles não querem isso. Sabe o que eles querem? Eles querem trabalhadores obedientes... Trabalhadores obedientes, pessoas que são espertas o suficiente apenas para operar as máquinas e cuidar da papelada. Mas burras o suficiente para aceitarem passivamente seus empregos cada vez piores com salários cada vez menores, com cada vez mais horas de trabalho, benefícios reduzidos, sem hora-extra, e agora eles querem tirar a sua previdência social também. Eles querem a grana da sua aposentadoria. Eles querem pegar de volta para dar para seus amigos criminosos em Wall Street, e quer saber? Eles vão pegar... eles vão tirar tudo de você mais cedo ou mais tarde, porque eles são donos disso aqui. É um grande clube, e você não é sócio dele. Eu e você não estamos no clube. E eles te batem na cabeça o dia inteiro dizendo no que você tem que acreditar. O dia inteiro batendo na sua cabeça com a mídia dizendo no que você deve acreditar, o que você deve pensar e o que deve comprar. Esse jogo está sendo roubado e ninguém parece se importar. Parece que ninguém se importa. Pessoas honestas que trabalham duro... continuam elegendo esses filhos da puta ricos que não estão nem aí pra você. Eles estão pouco se fodendo pra você. Eles não ligam nem um pouco, e ninguém parece se importar. É com isso que os donos contam. Com o fato de que os americanos provavelmente vão continuar se mantendo ignorantes a respeito do grande pinto vermelho azul e branco que come o cu deles todo santo dia, porque os donos desse país sabem a verdade. Eles chamam isso de Sonho Americano porque você tem que estar dormindo para acreditar nele." - George Carlin

George Carlin 1

Outro dia eu comentei, entusiasmado, que havia descoberto recentemente que Rufus, o viajante temporal de "Bill & Ted´s Excellent Adventure" era interpretado por George Carlin. A pessoa não sabia quem era George Carlin.

Por causa disso, nos próximos 3 posts vamos aprender um pouco mais sobre George Carlin.

A tradução é minha.


"Sem dúvida a religião inventou a melhor mentira de todos os tempos. Pense bem. A religião convenceu as pessoas de que existe um homem invisível... morando no céu. Que observa tudo que você faz, cada minuto do dia. E o homem invisível tem uma lista de 10 coisas que ele não quer que você faça. E se você fizer qualquer uma dessas coisas, ele vai te mandar para um lugar especial, cheio de fogo e fumaça e tortura e angústia para você sofrer para sempre, e queimar, e gritar, até o fim dos tempos. Mas ele te ama. Ele te ama. Ele te ama, e ele precisa de dinheiro." - George Carlin

Olimpíadas

Pois é, né, minha gente... olimpíadas tá aí, todo mundo torcendo pro Brasil ganhar medalha na natação e no judô e tal...



Essa é a campanha publicitária da Anistia Internacional sobre as olimpíadas. Tem mais duas peças aqui e aqui.

O slogan: "Depois das olimpíadas, a luta pelos direitos humanos tem que continuar."

22 de julho de 2008

Patafufo!

Calma, minhas senhoras. Não é nada disso que estão pensando.

Estava eu na padaria, escolhendo a marca da manteiga que eu ia comprar - para quem não é de Minas, vale lembrar que aqui, na Capital Brasileira do Leite, existem dúzias de marcas de leites e derivados em qualquer biboca que você entra - quando me deparei com o seguinte rótulo:
Fui acometido de um incrível flashback que me levou 20 anos no passado. Patafufo! Quantos momentos felizes eu tive em minha infância, rindo desse nome. Minha mãe e meu tio, que trabalhavam na mesma empresa na época, começaram a falar isso por causa de um cliente deles, e o nome virou gíria na minha família inteira. Era nosso xingamento favorito: irônico, escrachado, e completamente sem sentido.

Visualizar o Patafufo consolidou em mim a existência de uma figura mítica. Quem seria esse simpático e gorducho bandeirante estampado na tampa da manteiga? Felizmente, graças aos milagres da Internet, 20 anos depois eu consigo desvender esse incrível mistério.

"Os primórdios da povoação que deu origem à atual cidade de Pará de Minas, remontam do final do século XVII, época em que o fluxo das bandeiras paulistas tornou-se constante nessas paragens (...) Um pequeno povoado se estabeleceu (...) Nele, segundo a lenda, fixou-se o mercador português Manuel Batista, apelidado de "Pato-Fofo" em face de ser baixo e gordo, e pela sua vaidade de aparentar grandes posses, apesar de ser pobre. Manuel Batista se estabeleceu (...) A casa onde residiu é considerada a primeira edificação da cidade, e hoje, abriga o Museu Histórico de Pará de Minas. Em decorrência do apelido que Manuel Batista adquiriu, o lugar ficou conhecido com Patafufio ou Patafufo, corruptelas de "Pato Fofo". O professor e doutor em História Flávio Marcus da Silva questiona o mito de Manuel Batista. A palavra “fofo”, segundo o doutor, pode significar “impostor” ou “quem alardeia fidalguia ou riqueza diante de quem não o conhece”, o que desautoriza a natural associação de “fofo” com o qualificativo “gordo”. Como o nome original do arraial era Patafufio, outra especulação é possível. “Fufio” significava “pessoa destituída de mérito, mas engrandecida pelo acaso”. Tudo indica que a mítica figura de Manuel Batista vai ficar sem uma interpretação histórica absoluta."

Hoje em dia, em Pará de Minas, tudo se chama Patafufo. Tem a Patafufo Decorações, Patafufo Alimentos, e o Patafufo Country Club, onde todo ano elegem-se o Garoto & a Garota Piscina.

Desvendado o mistério. Que alívio!

21 de julho de 2008

Niemeyer, Maletta e Normandy


Nossa leitora Cleozinha me deixou com a pulga atrás da orelha: segundo ela, não foi no Grande Hotel (que depois virou o Maletta) que o Oscar Niemeyer se hospedou quando veio a BH conversar com Juscelino à cerca da construção da Pampulha, mas sim no Hotel Normandy.

Vamos por partes!
Parte 1: O que eu falei no post?

Eu não disse, no meu post anterior, que o Niemeyer se hospedou lá; apenas que foi lá que os dois se reuniram. Segundo eu mesmo:

"Esse local da cidade já era histórico antes mesmo do Maletta ser construído. Antes disso, ficava ali um grande hotel, onde JK e Niemeyer encontraram-se pela primeira vez para discutir o projeto da Pampulha."

Parte 2: O que a Wikipedia diz sobre o Grande Hotel, que ficava onde hoje fica o Maletta?
"Grande Hotel foi um importante hotel de Belo Horizonte, localizado no Centro, no cruzamento entre a Avenida Augusto de Lima e a Rua da Bahia. Nele ficaram hospedadas as maiores personalidades que na primeira metade do século XX visitaram a capital de Minas Gerais.

No hotel, em 20 de fevereiro de 1910, Rui Barbosa conclamou a população de Belo Horizonte a aderir à Campanha Civilista, e defendeu que o nome da cidade fosse mudado para "Horizonte".

Em abril de 1924, nele se hospedaram Tarsila do Amaral, Oswald de Andrade, Mário de Andrade e Blaise Cendrars, e ali conheceram os representantes mineiros do Modernismo. Em sua sacada, na mesma época, Mário de Andrade declamou o poema "Noturno de Belo Horizonte".

A escultora Jeanne Milde morou num de seus quartos na década de 30.

Em 1940, Juscelino kubitschek e Oscar Niemeyer almoçaram no hotel para discutir os projetos para a Pampulha.
Em seu lugar, hoje existe na mesma esquina o edifício Maletta."

Parte 3: Onde fica o Hotel Normandy?
"Situado nos centros comercial e financeiro de Belo Horizonte, permite a seus hóspedes agilidade e comodidade na realização de seus compromissos. O Normandy Hotel está próximo a maior Feira de Arte e Artesanato ao ar livre da América Latina, a Praça Sete de Setembro, a Igreja São José, a Rodoviária e ao centro cultural Palácio das Artes. Com essa localização privilegiada o Normandy Hotel oferece a você toda a conveniência necessária para uma excepcional."

Trocando em miúdos: Rua Tamóios, 212 - Centro.

Parte 4: O que a Prefeitura de BH tem a dizer sobre isso?

Encontrei nesse site um texto que foi usado em um concurso público da PBH. Segue abaixo um trecho:

"Reza a lenda que Niemeyer fora chamado às pressas, indicado pelo primeiro diretor do Iphan, o jornalista Rodrigo Melo Franco de Andrade. Depois da entrevista com Juscelino, o arquiteto se recolheu em seu quarto, no Edifício Maletta, onde havia o Grande Hotel, e virou a noite a rabiscar, desenhar, projetar e sonhar."

Como o próprio texto diz, "reza a lenda"... Inclusive, o texto diz que ele se recolheu em seu quarto "no edifício Maletta", que sequer exista naquela época. Ou seja, pode ser que ele esteja querendo dizer que ele se recolheu em seu quarto no Grande Hotel... mas o fato é que não disse. Aliás esse texto é muito pouco confiável, pois abusa de termos exagerados e tenta criar um ar de mitologia em torno dos fatos.

Conclusão: Não concluí nada. Não consegui provar nem que Niemeyer se hospedou no Grande Hotel, nem que ele se hospedou no Normandy. Só encontrei indicações de que os dois teriam almoçado e se reunido no Grande Hotel.

Epílogo: Vou hoje até o Hotel Normandy conhecer o edifício, já que moro nessa cidade há quase 30 anos e nunca entrei no tal do prédio. Espero que o almoço seja bom!

Uma rosa, com qualquer outro nome...

- Mas e aí, qual vai ser o nome?
- Não sei ainda. Depende se for menino ou menina. E eu ainda não sei o sexo. Se bem que tem muito nome unisex por aí. Minha avó, por exemplo, se chamava Altair.
- Esses nomes astronômicos costumam ser unisex mesmo.
- Andrômeda. Andrômeda é bonito.
- Mas quando você vai decidir o nome? Você não vai escolher antes dele - ou dela - nascer?
- Não sei. É muita responsabilidade. Eu acho que todo mundo devia se chamar "menino" ou "menina" até os 18 anos de idade. Depois ia até o cartório e escolhia o próprio nome.
- Podia ser até antes. Com 7 anos por exemplo.
- Não. Se fosse assim, todas as mulheres do mundo iriam se chamar Barbie.
- E os homens, Batman.
- Prefiro Charada.
- É um bom nome. Sonoro, e cheio de significado.
- Sem contar que é unisex.

17 de julho de 2008

As comidas e os lugares


Se eu tivesse dinheiro infinito, iria rodar o mundo com uma câmera de vídeo e fazer um documentário sobre as comidas do Brasil que têm nomes de lugares do mundo.

Explico.

Quase tudo que comemos no Brasil veio de outro país. Estrogonofe, cuz-cuz, esfiha - toda nossa comida "típica" veio de outros países, juntamente com os colonos que construíram nossa estranha e simpática nação.

No meio dessa mistureba cultural nasceram algumas incorreções, por motivos os mais diversos, em relação à origem de determinados alimentos. Eu, que sou um pessimista inveterado, sempre vejo o mal por trás de tudo, e tenho certeza que os inventores de certas comidas estavam apenas tentando aumentar suas vendas, atribuindo certos valores a certas comidas.

Frente a isso, comecei uma longa pesquisa que ainda está longe de acabar. Por enquanto estou me atendo apenas a comidas que têm o "local de origem" no nome da comida, tentando determinar se esta ou aquela comida são mesmo originárias de onde dizem.

Vamos a elas:

  • Arroz à grega: Eu nem sabia que tinha arroz na Grécia. Por que diabos eles colocam presunto e vagem no arroz? Pra mim aquilo parece mais é arroz chao-chao, aquele que os chineses de Macau chamam de "comida chinesa". Duvido que seja grego mesmo.
  • Churrasco grego: E falando em comida grega, o que dizer desse prato equivocado que mais se parece com um espetinho cheio de fatias de carne que sobrou do natal? Sentem-se firmemente, amigos: contrariando a tradição popular do Brasil, o churrasco grego na verdade é turco. O nome dele é Döner e é preparado exatamente igual o que chamamos de "grego", mas na verdade é turco. Considerando que até hoje os gregos chamam Istambul de "Constantinopla", eu acho melhor a gente não se meter nessa discussão, e deixar que os nossos irmãos bosforenses discutam por lá suas diferenças. Aqui no Brasil, vamos comendo um churrasquinho turco grego mesmo e não se fala mais nisso.
  • Amendoim japonês: Segundo nosso reportagem conseguiu averiguar, o amendoim japonês foi inventado no Brasil mesmo, por imigrantes japoneses em São Paulo. Possivelmente o nome original era "amendoim do japonês" e depois tiraram o "do" do meio do nome. Afinal de contas, o amendoim é originário das américas, e não poderia de forma alguma ter vindo do Japão. Aqui no Brasil eles criaram aquela casquinha de shoyu. Mas o amendoim japonês é brasileiro mesmo.

Existe toda uma sub-categoria de comidas pretensamente italianas, cada uma com o nome de uma cidade. Vamos a elas:

  • Espaguete à Bolonhesa: Se você tentar comer um espaguete à bolonhesa em Bolonha, vai apanhar na rua. Para começar, eles nunca fazem o molho deles com espaguete, mas com tagliatelle ou massar curtas como rigatoni. O molho deles, registrado oficialmente na Accademia Italiana della Cucina em 1982, leva carne, pancetta, cebola, cenoura, salsão, tomate, caldo de carne, vinho tinto, e, às vezes, creme de leite. Muito diferente do miojo com pomarola e boi ralado que eles servem na cantina da sua faculdade. O curioso aqui é que todos esses molhos italianos feitos de carne e tomate recebem o nome de "ragù" - palavra de origem francesa, ragôut, que significa "reavivar o sabor" ou algo parecido.
  • Pizza Napolitana: Essa existe mesmo, mas é o problema oposto: tem tantas regras que aqui no Brasil ninguém consegue fazer uma legítima pizza napolitana. Para começar, você precisaria de tomates San Marzano plantados na terra do vulcão Vesúvio, e de leite de búfala semi-selvagem de Lazio... enfim, maiores informações no site verapizzanepoletana.org
  • Bife à Milanesa: Sei lá de onde diabos tiraram que esse prato foi inventado em Milão. O Wiener Schnitzel é um prato austríaco, e consiste de um bife de vitelo coberto com ovo e farelo de pão, frito por imersão. Uma delícia... da culinária austríaca! Existe uma teoria de que um militar austríaco teria aprendido a fazer esse prato na Itália, mas ninguém nunca conseguiu provar nada.
  • File à Parmigianna: Aparentemente esse prato existe mesmo, mas sua origem é o "parmeggiana", um prato siciliano feito com beringelas, molho de tomate e mussarela. Eu já vi essa "variação" em um monte de programas e sites de receitas e comidas saudáveis, mas na verdade ele é que é o original! O que nós fazemos aqui no Brasil é um "parmeggiana com wiener schnitzel no lugar da beringela". Ponto para o Brasil mais uma vez...
  • Espaguete à Putanesca: Não existe nenhuma região chamada Putania na Itália. Esse macarrão é só isso que você está pensando mesmo. Exatamente isso que você está pensando. Se a sua mãe fazia esse macarrão para você comer quando você era pequeno, sinto muito: você é um filho da puta.
  • Macarrão à Parisiense: Já procurei esse prato em tudo quanto foi livro de receita sério e em sites, e nunca encontrei nenhuma menção honrosa a ele. Francamente, conhecendo as maravilhas de que a culinária francesa costuma ser capaz, espaguete com creme de leite, ervilhas e apresuntado não me parece muito factível. É possível, mas ainda precisamos de provas.
Some-se a tudo isso o fato de que aquilo que nós chamamos de "comida chinesa" é na verdade a comida de Macau, uma pequena ex-colônia portuguesa na China que tem uma culinária toda particular, misturando cozinha chinesa, portuguesa, indiana e etc. A comida chinesa mesmo, que os chineses comem todos os dias, deve ser um tanto quanto diferente dessa a que nós estamos acostumados.

Bom, chega por enquanto. Acho que deu para entender. Quem tiver mais sugestões de pratos com nomes de lugares a serem investigados, podem mandar um comentário para que a nossa equipe de investigações possa entrar em ação.

A escada rolante do Maletta

Da coluna do Lucas Mendes de hoje na BBC:

"Na década de 60, em Belo Horizonte, eramos maleteiros. Estudantes, intelectuais, artistas, políticos e bêbados que freqüentavam os bares e restaurantes do recém-inaugurado conjunto Anchangelo Maleta, na rua da Bahia, artéria tradicional da boemia de BH.

No segundo andar ficava o Sagarana, um bar freqüentado por esquerdistas e direitistas, mas não havia ainda militância armada.

Um músico tímido chamado Milton Nascimento, mais conhecido como Bituca, fazia esforço para ser ouvido naquele bate-boca político-existencial.

Fernando Gabeira aparecia com freqüência e ficava numa mesa do fundo. Foi lá que recebi dele meu primeiro convite para trabalhar em jornal, o Correio de Minas. (...)

Quando o Sagarana fechava, nosso grupo, inclusive o Espião, ia paquerar as moças que tinham terminado o trabalho nos bordéis e esticavam a noite no dancing Almanara. Depois saíamos com elas pela madrugada adentro."

Para quem não sabe
, o referido edifício fica bem ao lado do meu aqui. Tenho muito orgulho de morar nessa quebrada. O Belvedere inteiro que se dane!

Esse local da cidade já era histórico antes mesmo do Maletta ser construído. Antes disso, ficava ali um grande hotel, onde JK e Niemeyer encontraram-se pela primeira vez para discutir o projeto da Pampulha.

Mais tarde, quando o hotel foi derrubado e o Maletta foi construído, ele continha a primeira escada rolante funcionando em Minas Gerais. Vinha gente do interior do estado, nos fins-de-semana, só para andar de escada rolante. (As pessoas se divertem como podem.)

Eu nunca vi essa escada funcionando. Quando eu era criança, vim algumas vezes ao Maletta, sempre trazido por algum adulto, para os mais variados fins: comprar gibis antigos no Sebo do Shazam, ou ver as novidades na Aerobel e no Castelo das Mágicas. E desde aquela época que essa escada não funciona.

Ela era feita de ferro, e todos os degraus estavam empenados no meio, e lisos, de tanta gente subir e descer por ali todos os dias. Finalmente, no final dos anos 1990, resolveram trocar a escada por uma nova. A antiga estava amassada e os degraus estavam lisos, de tão velha e usada. Mas era linda, um marco histórico da cidade. Trocaram a coitada, prometendo uma nova era de prosperidade e investimentos no centro comercial do edifício.

Tudo besteira. Poucos meses depois, a escada quebrou. E continua, desde então, parada. Nova, linda, e quebrada igual à outra. Um símbolo de tudo que há mais de errado nessa capital das alterosas.

(tem também a esteira rolante da rodoviária, mas isso é outro assunto)

16 de julho de 2008

Qual que é a diferença entre o punk e o funk?

Quer me ver dando piruetas de dor, é confundir punk com funk.

Essas duas palavrinhas que soam tão parecidas ganharam, nos últimos 40 anos, significados tão complexos e específicos que a confusão entre as duas devia dar cadeia. Já me cansei de ouvir isso, ou pior, de ver jogando os dois no mesmo balaio de gato, como se fossem a mesma coisa. Seria justo dizer que Beethoven e Mozart são também a mesma coisa? Decerto que não.

Deixemos de lado a lamentação e passemos aos fatos. Antes de mais nada, uma lépida consulta ao pai-dos-burros, para usar uma expressão bem escrota.

punk
1. Uma prostituta. "My lord, she may be a punk; for many of them are neither maid, widow, nor wife." - William Shakespeare, 'Measure for Measure'.
2. Gíria de prisão para designar um detento que serve a outros prisioneiros no papel da mulher em relações sexuais (1946).
3. Jovem delinqüente, causador de problemas e autor de pequenos crimes.

No início dos anos 1970, na cidade de Nova York, essa palavra ganhou uma nova conotação, baseada na terceira definição do nosso verbete:

4. Jovem entediado que gosta de rock barulhento e se rebela contra o sistema e a sociedade (ou algo parecido).

Vejamos agora o que está atrás da porta número 2:

funk.
1. Doença mental; medo, pânico, covardia.
2. Mau-cheiro provocado pelo acúmulo de suor nas axilas. Expressão do século XVIII citada no Universal English Dictionary de 1896.

Isso que nos leva ao real significado que estamos procurando:

3. Gênero musical nascido no final dos anos 1960 e início dos anos 1970.

O nome veio naturalmente, a partir da maneira como esse novo ritmo foi se formando: em bailes populares, onde amontoados de gente se espremiam na pista e dançavam loucamente por horas a fio, provocando um odor ambiente bastante peculiar.

Esteticamente falando, os dois são bastante diferentes. Nos anos 1970, houve uma espécie de ruptura na música pop, que se enveredou por basicamente dois caminhos: a música ao vivo e a música de dançar. A música ao vivo, executada por bandas em cima de palcos, atraía um público que buscava uma experiência estética grupal envolvendo a execução de músicas, a compreensão das letras, e outras coisas do tipo - algo remanescente do Vaudeville e do teatro de variedades em geral. Prova disso é que foi nos anos 1970 que as bandas de rock passaram a usar palcos gigantescos, cenários teatrais, maquiagens, personagens, fantasias, etc - v. New York Dolls, KISS, Iron Maiden.

A música de dançar, por outro lado, atendia ao público que gostava de dançar sem necessariamente prestar atenção em um palco. Essa tradição vem diretamente da linha das big bands dos anos 1940, e culminou, depois do surgimento do funk, no surgimento da música eletrônica dançante - bem diferente da música eletrônica e eletro-acústica produzida desde os anos 1930 por músicos eruditos - a partir do tecno de Detroit e do eletro-funk nova-iorquino.

Bom, resumindo, então: qual é a diferença entre o punk e o funk?



14 de julho de 2008

Sessão Jabá: Ivan Lessa no site da BBC

Todo dia alguém me pergunta se eu sou músico. Devem ser as costeletas.

Eu toco baixo, guitarra e bateria, mas não sou músico. Tanta gente passa a vida estudando música, lendo livros, fazendo exercícios, lendo partituras. Eles são músicos. O Mozart era músico. Eu sou apenas um hobbysta, um curioso, aventureiro, entediado, divirto-me batucando pela noite, chacoalhando maracas. Não sou músico.

Escritor, cronista, blogueiro? Eu? Tampouco. Cronista e escritor era o Stanislaw Ponte Preta, o Antoônio Maria. Eu não sou cronista. Não enquanto o Ivan Lessa estiver por aí.

E olha que vocês sabem que eu não sou de gostar das coisas.

Linque.

12 de julho de 2008

BookMooch 2

Devido ao sucesso do post de ontem, gostaria de me aprofundar um pouco no assunto do BookMooch. Muita gente veio comentar comigo que gostou do site, mas surgiram algumas dúvidas que eu gostaria de sanar, além de rebater algumas piadinhas.

BRASIL NO BOOKMOOCH
De fato, no site ainda não existem muitos livros disponíveis no Brasil. São cerca de 1200 atualmente. Mas considerando que estamos falando do Brasil, até isso que é bem mais do que eu imaginava que tivesse.

É claro que tem muito lixo no meio. Mas são livros que as pessoas estão doando. Não vai ter só filé, e não vai ter sempre tudo que você quiser. Mas assim como em qualquer sebo, você precisa procurar muito até achar alguma coisa valiosa. E o BookMooch é como o melhor sebo do mundo: tem uma enorme variedade de coisas, ferramentas de busca, e você não precisa pagar pelos livros.

Na lista de livros disponíveis no Brasil, por exemplo, você encontra vários livros do Paulo Coelho, ou sobre o Ayrton Senna. Outra categoria que bomba são os "livros que eu tive que ler no colégio e não quero mais ler", como "Dom Casmurro", "Senhora" e "Iracema". Nessa categoria, encontramos a obra quase completa de Pedro Bandeira, como "A Droga da Obediência", "Agora Estou Sozinha" e "Pântano de Sangue".

Mas como eu todo sebo, você precisa garimpar para encontrar as pepitas mais brilhantes. Dentre os livros que se encontram no Brasil e que custam apenas 1 ponto já vi coisas como uma edição americana de 500 páginas do "Cosmos", e alguns clássicos modernos da literatura brasileira como "Vidas Secas". Também já esbarrei em um Orson Scott Card, e edições inglesas de "Viagem Ao Centro da Terra" e "Moby Dick". Cada um desses me custou apenas 1 ponto, e enviando 2 livros velhos de RPG para os Estados Unidos eu ganhei 6. Paguei R$ 58,00 no correio - ou seja, comprei 6 livros que eu queria por menos de R$ 10,00 cada um, incluindo o frete.

O macete para encontrar coisas boas é olhar na lista de pessoas por país quem são as que têm mais livros disponíveis, e quem são as que já fizeram mais envios e recebimentos. Essas pessoas com certeza levam o site a sério e se dedicam a ter um fluxo constante de livros. Isso separa os curiosos e aventureiros das pessoas que realmente querem trocar livros.

DOANDO LIVROS E SALVANDO O PLANETA
Outra coisa bacana do BookMooch é que você pode doar seus pontos para a caridade. Uma organização qualquer - hospital, creche, escola - cria uma conta, e divulga seu endereço pedindo doações. Os usuários doam seus pontos, e com eles a instituição pode pedir livros sem precisar mandar nada em troca. É o caso, por exemplo, da Books Through Bars, que envia livros para presidiários americanos que não têm acesso a bibliotecas ou estudo dentro das prisões.

Claro que sempre vai ter alguém para dizer "mas por que diabos eu deveria ajudar uma ONG americana?" Nesse caso, você tem três opções. A primeira é não fazer nada. A segunda é procurar organizações de países mais pobres do que o nosso, como por exemplo a Chrysalis School de Madagascar. A terceira opção é você mesmo criar uma organização dessas e arrecadar livros para alguma causa que você ache mais adequada.

Vale tudo, só não vale não-participar.

11 de julho de 2008

Troca-troca de livros pela internet



O Book Mooch é um site gratuito onde você pode doar seus livros e receber livros em troca. Funciona mais ou menos como aquelas antigas pirâmides, só que funciona mesmo.

O sistema é simples e eficiente. Tudo funciona com pontos. Quando você disponibiliza um livro para doação, você ganha 0,1 ponto. Quando você manda um livro para alguém, você ganha 2 pontos. Quando você manda um livro para outro país, ganha 3 pontos. Quando você pede um livro para alguém, você gasta 1 ponto. Você só pode receber 2 livros para cada livro que você mandar.

Na sua página dentro do site você pode criar duas listas: uma que contém os livros que você está disponibilizando, e outra onde você anota os livros que você quer. Se alguém disponibilizar um daqueles livros, o site te manda um e-mail avisando.

O site tem versão em português, mas pelo que pude constatar até agora não tem muitos usuários brasileiros, ao contrário do Orkut... Por que será? :)

Eu estou começando a colocar algumas coisas agora, mas pretendo aumentar bastante a minha lista no futuro próximo. Fiquem de olho!

Para quem quiser entrar no site: www.bookmooch.com (também tem a versão em português)

Quem quiser pode conferir a minha lista: Lista de Livros do Daniel Poeira

Participem, e espalhem para os seus amigos! Quanto mais leitores de língua portuguesa no site, melhor para todos nós :)

9 de julho de 2008

"The Tornados"

Ontem minha amiga Soraia disse que queria ir ao show da banda Muse e comentou que o vocalista dessa banda era filho de um cara que tocava em uma banda inglesa dos anos 60 que teria influenciado o The Who. Fiquei curioso para saber quem seria esse cara, e que banda seria essa.

Pesquisa daqui, pesquisa dali, descobri que o moço era um tal de Matthew Bellamy, filho de George Bellamy... guitarrista e membro da formação original de The Tornados!

Para quem não sabe, antes dos Beatles mudarem o paradigma da música pop a coisa mais normal do mundo eram bandas de rock instrumental. Na Inglaterra haviam duas muito populares: The Shadows e The Tornados. O maior hit dos Tornados foi Telstar, composta e produzida pelo genial Joe Meek. Essa faixa tem uma curiosidade histórica: foi o primeiro single de uma banda inglesa a ficar em primeiro lugar nas paradas americanas, inaugurando o que mais tarde iria ficar conhecida como "british invasion".

Fiquem agora com outro grande sucesso dos Tornados, "Robot"!

Carta ao filho que ainda não nasceu

Nossa ilustre leitora Carla Marin encontrou em seus alfarrábios uma cópia do tal texto que eu havia citado no post anterior. Reproduzo o mesmo aqui, na íntegra:

Sexta-feira, Janeiro 25, 2002 - 13:17

Querido filho:

Você ainda não nasceu, mas eu já tenho muitas coisas para dizer. Melhor começar agora.

Não sei se você é homem ou mulher. Se você é um, dois, gêmeos, ou o que quer que seja. Eu também não sei quem vai ser sua mãe. Talvez eu até adote você. Talvez você sequer nasça. Mas, de repente, você é a única pessoa do mundo com quem eu gostaria de falar. Isso não importa agora.

O que importa é que eu levei muito tempo para aprender várias coisas que teriam me poupado muita preocupação se eu tivesse aprendido antes. Mas, na verdade, se eu tivesse aprendido antes eu não teria aprendido direito. Comece pensando nisso: tudo chega na hora certa. As pessoas aparecem e desaparecem da sua vida na hora certa. As idéias vêm e vão da sua cabeça na hora certa. Isso acontece por um motivo muito simples: não existe hora certa.

As coisa simplesmente acontecem, filho/filha. Você é uma pessoa, e o mundo onde você vive tem mais de 6 bilhões de pessoas. Talvez já tenha mais de 7 ou 8 bilhões, quando você tiver nascido. Você é uma formiga minúscula num formigueiro gigante cheio de formigas que andam pra lá e pra cá sem pensar muito no seu propósito na vida.

E essas formigas sofrem, filho (vou parar de dizer filha, porque pra mim não vai fazer muita diferença se você tem pinto ou não). Essas formigas sofrem, filho, ou pensam que sofrem. Pode ir se acostumando a ouvir reclamações por todo lugar que você for. E quando não estiver ouvindo reclamação nenhuma, aí você mesmo vai começar a reclamar. Acredite, é um impulso incontrolável. Reclamar muito. Evite, se possível. Mas nunca se envergonhe disso.

Aprenda desde cedo a reclamar de coisas coerentes. Você vai ouvir muitas pessoas reclamando de coisas que você vai julgar fútil. Você vai dizer isso a elas, e elas vão te odiar muito por isso. Relaxe. Ninguém vai te amar ou te odiar com tanta força quanto você pensa. Talvez eu ame. Ou sua mãe. Sua família sempre vai te amar, por mais que eles não liguem muito pra você. Parentes distantes vão te amar mais do que todas as suas namoradinhas juntas. Acredite em mim. Talvez leve décadas até isso fazer sentido. Mas mantenha isso em mente.

Outra coisa. Se você quiser agradar as pessoas, nunca diga a elas o que você pensa. Como você mesmo vai perceber, a opinião dos outros pode nos deixar muito irritado. Mas você também é "os outros". Muita gente vai ficar com raiva. Mas é melhor você dizer o que pensa logo de uma vez. Prepare-se para ouvir palavras que vão te magoar muito, mas muito mesmo. E você não vai poder chorar. Porque vão te chamar de fraco, e você vai ficar mais magoado ainda. Relaxe. Diga a verdade e saia correndo.

Quando eu estiver bem mais velho do que sou hoje, e você tiver a idade que eu tenho enquanto escrevo essas palavras, venha até mim e me pergunte sobre a época que estou vivendo agora. Eu vou me lembrar de algumas músicas, alguns filmes, programas de televisão, e uma ou duas pessoas. Eu conheço centenas de pessoas. Algumas delas me param na rua sem nem saber meu nome, só pra me perguntar coisas que elas sabem que eu sei. Converso com todas com a maior boa vontade do mundo, porque eu simplesmente adoro todas as pessoas do mundo. Mas em muito pouco tempo, todas elas farão parte do passado. Um belo dia elas vão levantar da cama de manhã e simplesmente esquecer que eu existo. E quando se lembrarem de novo, eu serei uma simples recordação. Poucas delas sequer vão se lembrar do meu nome. Muitas delas sequer conhecem o meu nome.

Estou te dizendo isso, filho, na vã esperança de te poupar alguns sofrimentos. Bem, pelo menos você vai pensar que são sofrimentos. Vai se achar miserável, uma vil criatura, um sujeito muito filho da puta. Ou então vai pensar que Deus te odeia e jogou o mundo inteiro em cima de você. Em horas como essa eu vou te pegar no colo e te xingar muito, porque você vai ser um filho da puta muito sortudo. Assim como eu. Você nunca vai passar fome, sede, frio, ou dormir na chuva, no meio dos carros. VocÊ não vai ser judeu, muçulmano, preto, índio, ou sikh. Você nunca vai perder seus pés numa mina terrestre, ou levar tiros de uma guerra que não lhe diz respeito. Você vai ser muito feliz, mas dificilmente vai se dar conta disso. Quando eu estiver por perto, vou tentar fazê-lo se lembrar disso.

Eu tentei ajudar as pessoas à minha volta, mas muitas delas ficaram com raiva de mim. Parei de me magoar com isso há algum tempo, sabendo que não tem importância. É bom ter amigos, e pessoas gentis que te tratam bem. Mas sorvete de limão também é muito bom. Milhares de pessoas vão passar pela sua vida, e você pela vida delas, como se vocês fossem carros na estrada da vida. Se o seu carro quebrar na beira da estrada, qual deles vai parar para te ajudar? Pense nisso.

E aprenda a trocar os seus próprios pneus. Um dia, eu e sua mãe não estaremos lá para fazer isso por você.

Um dia você vai ensinar seus filhos a trocar os pneus deles.

Tem sido assim há séculos. Desde muito antes de inventarem os pneus.

Não estou me importando em fazer sentido, porque sei que você nunca vai ler nada disso. Mas estou ensaiando para quando você chegar. Enquanto isso, continuo procurando a sua mãe. Ela deve estar por aqui em algum lugar.

Um abraço do seu pai que te ama muito,

Daniel

8 de julho de 2008

Eu vou ser pai


Uma vez eu terminei um blog com um post que era uma carta para um filho fictício que eu ia ter no futuro. Era uma carta muito emocionante, que eu escrevi em um período de mudanças difíceis na vida, e muita gente até chorou lendo o texto. O blog ficou por ali mesmo e eu nunca mais mexi nesse texto.

Pois agora chegou a hora. Eu vou mesmo ter um filho.

E o mais esquisito de tudo é que eu não me lembro muito bem do que eu falava no texto. Será que se eu o lesse hoje concordaria com o que eu escrevi no passado? Provavelmente não com tudo, mas com a maior parte. Não sei.

Tudo o que me lembro é que tinha algo a ver com não se importar muito com o que as pessoas dizem ou fazem, e concentrar-se apenas no que realmente importa.

Acho que vou seguir meu próprio conselho. A coisa mais chata de quem engravida, e ainda estou apenas começando a sentir isso na pele, é a enorme quantidade de pessoas que querem dar palpites na sua vida. Todo mundo tem mil dicas e sugestões de coisas que você precisa fazer. Minha mulher então, coitada, é a que mais sofre: todo mundo quer dizer a ela o que ela tem que comer, beber, respirar, pensar.

"Qual vai ser o nome? Já compraram um berço novo? Já viram o novo Lysoform Baby, para desinfetar os brinquedos do bebê? Ai, eu conheço uma babá ótima." E por aí vai.

A obsessão das pessoas pelo cuidado com bebês - ou melhor, sua enorme insegurança e despreparo em relação ao tema - chega a ser engraçada. A indústria de produtos para bebês movimenta bilhões de dólares em todo o mundo, e a cada dia novos produtos chegam ao mercado. O tal do Lysoform Baby que eu citei ali em cima existe mesmo, é um spray que eles querem que você passe em todos os brinquedos com os quais o seu filho vai brincar. Também tem a chupeta alemã anatomicamente desenhada, o travesseiro especial para evitar a morte súbita, o CD com música clássica para aumentar o q.i da criança... é tanta baboseira que a gente fica imaginando como é que se criavam as crianças antigamente sem todas essas "maravilhas".

Tenho certeza absoluta de que Alexandre O Grande não usava fraldas com floc-gel, comia terra e tomava banho com sabão de gordura de porco, se é que tomava banho. E isso não o impediu de conquistar a maior parte do mundo conhecido. Será que a mãe do Albert Einstein tocava música clássica para ele ficar inteligente? Quantos tipos de sabonete e creme e xampu diferentes a mãe do Santos Dumont passava nele? O talco da Marilyn Monroe era importado de algum lugar?

Outra coisa que eu achei engraçada nesse início de vida de pai foi a reação inicial das pessoas ao saberem da notícia. Depois de um espanto inicial, seguido de congratulações e felicitações, vinha sempre uma pergunta sussurrada: mas como você está levando isso? Quer dizer... você quer mesmo ter um filho? Isso foi planejado? Você ama sua namorada, ou está querendo se suicidar porque esqueceu da camisinha?

Eu acho que tanto eu quanto ela já estamos bem grandinhos para sabermos o que fazemos. Se a gente engravidou, foi porque a gente quis. Ficamos cansados de esperar. Mas esperar o quê, exatamente? A gente ficar rico? Grande besteira. Nossa geração é muito mal acostumada. Fomos criados para sermos um bando de covardes que têm medo de compromisso, de casamento, de morar junto, de ter filho, de ter emprego, de sair da casa dos pais - enfim, de viver. Temos medo de viver porque isso nos mostra que vamos todos morrer.

Nós somos duas pessoas adultas que resolveram que é melhor se arrepender de ter filhos do que se arrepender de não ter tido, e que é melhor se arrepender de se casar do que se arrepender de passar a vida inteira sozinho esperando algum milagre que vá nos fazer ter 15 anos de idade para sempre, sem nenhuma responsabilidade. Matamos a Cinderela e o Peter Pan e entramos na vida adulta com o pé na porta, sem pedir licença nem benção a ninguém. Vamos ter um filho, e espero que seja o primeiro de muitos.

Tá, muitos não né? Uns 3 tá bom.

6 de julho de 2008

iGun