25 de abril de 2008

O melhor amigo

24 de abril de 2008

Maconha!!!


Maconha é um dos assuntos mais esquisitos que eu conheço. O medo que as pessoas têm dela - até de pronunciar a palavra - é tão irracional e sem sentido que dá até medo. Pessoas que você sempre julgou sérias e racionais se transformam em demônios cheios de ódio quando tocam no assunto, muito embora não façam a menor idéia do que estão falando. Sem contar que basta tocar no assunto para todo mundo automaticamente pensar que você fuma.

Como tenho alguns links interessantes sobre o assunto, e estamos chegando perto do dia da Marcha Mundial da Maconha, achei interessante abordar o assunto aqui no blog.

Vou começar falando sobre a opinião que o público geral tem sobre a maconha. Vocês certamente conhecem o programa "Sem Meias Palavras", que imortalizou o grande filósofo Jeremias no YouTube. Na matéria abaixo, eles mostram um bêbado chamado Leonaldo. O cara está caído, dormindo no chão da delegacia, muito mais bêbado do que o Jeremias. Ele conta, orgulhoso, que encheu a cara de cachaça e quebrou vários carros, além de ter agredido um policial. Até aí tudo bem. Aos exatos dois minutos de duração do vídeo, o repórter pergunta se ele fumou maconha, e o bêbado levanta a cabeça assustado e diz, enfurecido: "eu sou cabra homem!". Quer dizer, na cabeça dele, beber 4 latas de cachaça, quebrar carros e agredir policiais, é normal, mas fumar maconha, não, isso é coisa de viado, ou de covarde, ou seja lá qual for o antônimo de "cabra homem".



Bom, e o que que eu acho sobre isso? Eu acho que é só uma planta. Aliás, muita gente acha isso também, tanto que lançaram um livro chamado "It´s Just A Plant". Ele é direcionado para crianças, e explica o que é maconha, de onde ela veio, por que ela é proibida, etc. Óbvio que não é nenhum clássico da literatura contemporânea, mas achei muito digno eles terem direcionado o livro às crianças. Conheço muitos adultos que fumam maconha e têm filhos, e já vi as pessoas comentando horrorizadas que eles fumam na frente das crianças. Será que seria melhor esconder tudo delas? Fingir que Papai Noel existe, e inventar outras mentiras para explicar o mundo, ao invés de falar a verdade?

Acho que esse raciocínio é exatamente a raiz desse e de vários outros problemas: nós somos ensinados, desde crianças, a preferir a mentira e o simulacro ao invés da coisa real. Ninguém quer saber o outro lado das questões, ou se aprofundar nos assuntos. É muito mais fácil - e foi assim que nossos pais e professores nos educaram - agir baseado apenas no que já sabemos e espalhar nossos preconceitos como se fossem um vírus.

Se você quiser fazer uma leitura objetiva sobre a história da maconha no Brasil, esse artigo muito interessante do Sérgio Vidal conta em detalhes a história da planta, desde suas origens no Afeganistão até os dias de hoje. Atenção para as fotos!

E se você quiser se manifestar a favor da legalização da maconha no Brasil, no próximo dia 4 de Maio, domingo que vem, vai haver uma marcha internacional a favor da legalização da planta e de todas as suas formas de consumo - até mesmo do fumo! É bem provável que a grande mídia ignore completamente o evento, então recomendo a todo mundo que participe pelo menos para ver o que vai acontecer, porque certamente o Fantástico e o Jornal Nacional não vão nem mencionar o acontecimento, muito embora existam 222 cidades brasileiras cadastradas no evento.

Para saber mais, entre no site da marcha em http://www.marchadamaconha.org/

E, para reforçar o velho e gasto clichê, vou fechar com uma música do Bob Marley!

"Por que não podemos ser o que queremos ser?"



(sim, aquele ali é o Toquinho, e o de baixo é o Chico Buarque...)

18 de abril de 2008

Vamos fazer um fanzine?


Fanzine sem nome procura colaboradores. Quadrinhos, textos, ilustrações. Não aceitamos poesias. Grato.

15 de abril de 2008

Mídia, Política & Outras Besteiras.



Eu não sei quem defenestrou Isabella, e nem por que, mas o isso não faz a menor diferença. Todos os dias crianças caem de janelas. Algumas morrem, outras não. É triste? Claro. Mas que relevância isso tem a ponto de se tornar o único assunto dos jornais, especialmente na Rede Globo?

Uma única menina morreu. Ela não era nem famosa. Ela foi feita famosa porque algum editor "jornalístico" decidiu que "a opinião pública" queria saber quem a matou. "A opinião pública" e "a democracia" são os argumentos preferidos das pessoas mal-intencionadas que precisam justificar alguma ação totalmente arbitrária e sem sentido - como, por exemplo, a invasão do Iraque.

Os pais da tal Isabella estão sendo tratados como monstros assassinos, sem que exista nenhuma prova contra eles. O CSI foi lá, brincou de luminol, e a Rede Globo ficou um tempão mostrando como isso funciona. Depois eles ficaram discutindo, ao vivo, no ar, o que a madrasta da Isabella ia almoçar na delegacia. Se o suco era de caju ou de laranja. Enquanto isso, já tinha gente na rua com foto-camisa da Isabella, gritando "Justiça! Justiça!". Justiça, que nesse caso, é um apelido para "vingança". Ou quem sabe para "sublimação da frustração sexual através do derramamento de sangue inocente". Mas isso é muito comprido para gritar na rua.

Enquanto todo mundo discute se foi o pai ou não foi o pai, quais foram os métodos da polícia, e outras amenidades irrelevantes, o assunto real está sendo ignorado: por que será que a Globo passa tanto tempo falando sobre esse assunto? Será que não tem nada mais importante acontecendo no mundo? Ou no Brasil mesmo? Vocês gostam de criancinhas mortas? Por que não falam das do Iraque? Do Tibete? Da Paraíba? E o caso da Escola Base? Aquele, em que todo mundo queria comer o cu dos donos da escolinha porque pensaram que eles tinham feito a mesma coisa, e quando provaram que era tudo mentira todo mundo ficou quietinho e abafou o caso... lembra? E todos os outros casos onde a mídia se aliou à "opinião pública" (o combustível do fascismo) para julgar e condenar pessoas antes que a justiça e a polícia o fizessem? Quem é que vai depois pedir desculpas, se retratar, pagar indenizações? Já notaram quantas perguntas eu fiz nesse parágrafo?

Faço perguntas porque as respostas são óbvias. A mídia não informa nada. O papel da imprensa não é dizer a verdade. A televisão, o jornal impresso, a revista, tudo isso são empresas. E no sistema capitalista, a única função social de uma empresa é gerar lucro. Simples assim. O Estado de São Paulo não tem obrigação nenhuma de ser correto. O Jornal Nacional da Globo não tem pretensão nenhuma em dizer a verdade ou investigar o que é "certo" e "justo". Eles só querem ganhar dinheiro, e ponto final.

Isso esbarra na briga jornalistas versus blogueiros. Se formos apontar uma diferença entre as duas categorias, seria o fato dos jornalistas serem profissionais da informação, e pagos por isso. Eles têm patrão, anunciantes, linha editorial para seguir. Os blogueiros não. Eles postam porque querem, e por isso podem falar o que pensam. Se isso é bom ou ruim? Depende. Mas uma coisa é fato: a tão-falada "monetização de blogs" é a diferença entre opinião e informação livres e a lenta, gradual e silenciosa corrupção das opiniões.

O calejado Luis Nassif fez um post em seu blog comentando sua decepção ao descobrir que os assessores da Soninha teriam entrado no esquema da Veja, mudando radicalmente de opinião sobre o caso do COC. O post traz expressões como "o último ataque partiu de quem eu menos esperava", "confesso que não entendi nada" e "é uma pena", mostrando que mesmo os mais experientes analistas políticos do Brasil ainda conseguem se chocar com certas coisas. Não tenho nada pessoal contra a Soninha, mas façamos uma rápida revisão da carreira dela: começou como apresentadora da MTV-Abril-Viacom, depois foi para a Sportv-Globo, foi eleita vereadora pela cidade de São Paulo, e agora está no canal GNT-Globo. E mesmo assim todo mundo pensa nela como uma pessoa diferente, que está acima de "tudo isso que está aí". Por que?

Essa separação entre político bondoso e político ladrão, entre mídia boa e mídia má, é uma visão muito limitada do problema. Vamos imaginar que exista um político perfeito segundo o imaginário popular: honesto, trabalhador, que não se deixa curvar por nada, incorruptível, temente a Deus (estamos falando do imaginário popular, lembra?), que luta todos os dias pelos direitos do trabalhador brasileiro.

Vamos imaginar agora que esse nosso querido amigo foi eleito senador. Vocês realmente acham que ele ia fazer alguma coisa? Ele é apenas um mero senador perdido num oceano de pessoas. E se vocês acham que eu estoue exagerando, vejamos um exemplo mais radical ainda, diretamente da vida real: quando o Lula foi eleito, as pessoas choravam de emoção nas ruas. "Finalmente! Um de nós chegou ao poder! Agora as coisas vão mudar!"

Como se ele fosse alguma espécie de Deus que controla os eventos do universo. Mas ele não é. Ele diz que ligou pro Bush e disse "ô Bush", mas é tudo mentira. Ele só faz discursos. E discursos não mudam nada. Ele não pode decidir o futuro do Brasil, ele não pode controlar a economia global, ele não pode curar o câncer das criancinhas. O Lula não pode evitar que a Isabella seja espancada e morta.

O mesmo vale para o Chavez, para o Uribe, para o Sarkozi e para o Bush. O mesmo vale para o Obama, a Hillary, e qualquer outro político que apareça no cenário dizendo que vai fazer e acontecer e que mudanças vão elevar o nível da Humanidade, que o futuro vai ser melhor. Isso tudo é conversa para boi dormir. Ninguém consegue controlar o destino da Humanidade. Ou de um país. Ou de uma única pessoa que seja.

Agora, se a mídia não pode fazer nada, se os políticos não podem fazer nada, e a Igreja obviamente não vai fazer nada... quem é então que pode? Como é que a gente pode ter esperança nesse mundo louco, se não temos nenhum super-herói para nos salvar?



Quando a gente é criança, não pode fazer nada. Os pais não deixam a gente comer biscoito, não deixam a gente sair sozinho na rua, não deixam a gente ir no parquinho nem dormir na casa dos amigos. Aí a gente cresce, vira adulto, e pode fazer o que quiser. Mas a gente não come biscoito, não sai sozinho na rua, não brinca no parquinho, não dorme na casa dos amiguinhos. A gente fica em casa vendo televisão, comendo lasanha congelada Sadia, reclamando dos políticos e esperando pra ver quem vai no Jô Soares.

Acontece que nós, os adultos... nós podemos fazer coisas.

Nós podemos mudar o mundo anonimamente. Nós não precisamos de líderes. Quem é o dono dos Médicos Sem Fronteira? Quem é o criador do Firefox? Quem é que manda na Wikipedia? Não importa: são apenas grupos de pessoas comuns que se juntaram para fazer uma coisa em que eles acreditam.

O mundo da arte, hoje em dia, é um pouco assim também. Acabou a era dos grandes artistas individuais: a arte se pulverizou pelo mundo, pelas ruas, nas paredes, virou brinquedo e website e adesivo e camiseta e não importa mais quem fez o que, o que importa é se as coisas são legais ou não.

A internet é a ferramenta mais poderosa do nosso tempo, e permite que grupos de pessoas comuns se unam em torno de objetivos comuns. Se dá certo ou não, depende. Mas o importante é que a gente pode tentar. Não depende da MTV nem do Google nem do Lula. Só depende da gente mesmo. É por isso que a gente tem medo. Mas é por isso que a gente tem que tentar.

A tragédia nossa de cada dia!

Antes de falar eu mesmo sobre o "caso Isabella", vou reproduzir aqui um texto publicado na Folha de S. Paulo com uma reflexão sobre o assunto. O meu comentário eu vou fazer na forma do já tradicional negrito nas palavras. Vamos a ele:

CASO ISABELLA: TODO MUNDO DESCONFIA DE SI MESMO
por Jorge Forbes

Quem matou Isabella? Essa pergunta atravessou o país, na semana passada, em todas as casas, em todos os cantos. Quem pode matar uma menina linda de cinco anos, sorridente, gaiata, livre no corpo e no olhar que olha a câmera de frente? Quem?

Matar uma menina como Isabella é ferir a última das garantias de nossa vida social. Há pouco tempo ninguém roubava uma igreja, o ladrão teria medo da ira dos céus; também não se batia carteira de velhinho nem bolsa de velhinha; seria ferir o código da malandragem; não se batia em mulher. Imagine! Isso passou, a sociedade foi ficando cada vez mais acuada, amedrontada, escondida em carros esfumaçados e blindados, fechada em prédios cheios de alarmes, como o de Isabella. Oh, "London, London", que triste canção. Tanta proteção para nada, ela morreu.

Quando um crime é cometido por uma razão aparente: fome, vingança, sobrevivência, de certa forma se compreende, embora não se aceite nem se dê razão. Crimes desse tipo são bem classificados. Neles, a diferença do criminoso com o homem comum e sua situação de vida são, em grande parte, patentes.

Agora, quando a situação de um crime reproduz o cotidiano, todo mundo passa a desconfiar de si mesmo.

Poderia ter acontecido com minha filha, ou, pior, será que eu poderia cometer uma atrocidade dessas, eu que não tenho nenhuma história pregressa que me leve a desconfiar de mim mesmo? Pode sim, um criminoso não é criminoso até que cometa um crime, caso contrário, vamos começar a inventar disposições genéticas perigosíssimas e construir berçários-cadeia. ''Vá buscar o bebê da cela três para mamar.''

No caso de Isabella, ainda tem o detalhe da madrasta. Quantas mulheres recém-divorciadas encheram-se de razão nesses dias para proibir o ex-marido de passar o fim de semana com o filho e a nova namorada?

Ninguém, fantasiosamente, gosta de madrasta nem de sogra. Ninguém gosta de intermediários de amor, de algo ou de alguém que lembre que entre o amante e a amada existe uma barreira. Pobres madrastas, pobres sogras. Elas levam a culpa de algo que está na essência do humano: a falta de garantia dos nossos laços afetivos.

A cena da família unida no supermercado de sábado, tranqüila, carinhosa, de chinelão, fazendo do carrinho de compras uma Ferrari para as crianças, não poderia servir de melhor ilustração para um cartão-postal de felicidade. Qual o quê. Poucas horas depois, o trágico, o sem solução. Voltamos à cena, uma, duas, várias vezes; ela bateu o recorde de audiência dos sites. Tentamos detectar o espectro da desgraça rondando aquele passeio na escada rolante, buscamos avidamente algum sinal que nos proteja, que não faça com que fiquemos todos paranóicos em cada momento feliz.

Mal, oh mal, onde está você? Será que você está na ausência das declarações do pai? Ou será que se disfarça na beleza jovem da madrasta sem lágrimas; ou não, vai ver que você se intromete na marreta do pedreiro, aquele Pedro que faz casa para o outro bem morar, enquanto ele mora na marmita, sim, vai ver que foi ele.

Cada um faz uma hipótese, sempre baseada na sua visão de mundo e na maneira pela qual reagiria em uma situação dessas. Rapidamente os falastrões investigadores das razões alheias se dão conta de que as emoções humanas são bem mais complexas que o bom senso. Pode um pai não chorar no momento seguinte da morte de sua filha? Claro que pode, quem nunca teve um branco na vida, um impacto tão grande que o mundo vira paisagem branca? O não-choro, por si só, não incrimina o pai, como, ao contrário, o choro de Suzane Richthofen, no enterro de seus pais, não a inocentava, como não a inocentou.

Freud aconselhava a, se invocarmos os demônios, que ao menos conversemos com eles, antes de despachá-los de volta. Os demônios estão aí; como é de praxe, eles aparecem na morte de um anjo. Daqui a pouco vamos mandá-los de volta às suas profundezas, as quais gostamos de ignorar. O momento da verdade dura é agora, que melhor será se durar mais que um só momento. Vamos despachar os demônios assim que ficar confirmado, jurado e sacramentado o nome do assassino. Todos respirarão aliviados ao saber. Ufa! Não fui eu. Foi ele. Só podia ter sido ele, como eu não pude entender isso antes? E a festa voltará.

Não há garantia para o frágil laço social humano, dizia. Bichos são sempre iguais. Homens nem sempre são homens, não há um piloto automático de humanidade. Esse é o motivo de viver no princípio de responsabilidade que não ausenta ninguém da existência coletiva. Somos responsáveis por Isabella? Sim, é o que isso quer dizer. Uma responsabilidade jurídica condenará o criminoso, mas o princípio ético da responsabilidade humana, diferente da estritamente penal, obrigará todos nós a prosseguirmos com esta marca em nossas vidas. Seu nome? Isabella, uma ''isola bella'', uma ilha bela.

Jorge Forbes, 56, psicanalista, é presidente do IPLA (Instituto da Psicanálise Lacaniana) e diretor da Clínica de Psicanálise do Centro de Estudos do Genoma Humano da USP.

11 de abril de 2008

Tragédia x Comédia

Ontem na aula meu professor estava falando sobre tragédia grega, estrutura do teatro grego, "A Poética" de Aristóteles e outros temas profundamente relevantes, o que me levou a fazer várias anotações que gostaria de compartilhar com os meus nobres leitores.

O livro perdido de Aristóteles

"A Poética" é um dos livros mais importantes do mundo: é o resultado de uma extensa pesquisa que o filósofo grego Aristóteles compilou baseado na estrutura narrativa das tragédias gregas de maior sucesso de público e crítica. No entanto, esse volume só trata das tragédias, e ele teria escrito um segundo livro somente sobre as comédias. Como os fãs de "O Nome da Rosa" sabem muito bem, esse livro nunca foi encontrado, e a nós, meros mortais que habitamos a sombra do grande filósofo, podemos apenas tentar imaginar seu conteúdo. Assim, dentro das "regras" que ele estabelece para a tragédia, comecei a fazer um exercício de imaginar como seriam as da comédia, invertendo tudo que ele estabelece na tragédia e comparando com exemplos da vida real.

Vamos começar pelo protagonista. O "protos agonia" da tragédia, o "agoniado primordial", é quase sempre uma pessoa poderosa, acima dos meros mortais - um rei, uma princesa, algo assim. Não porque isso seja mais chic e a vida deles seja mais interessante, mas porque pessoas em cargos de poder não podem fazer tudo o que querem (exceto, obviamente, no Brasil). O protagonista da tragédia não tem direito ao livre-arbítrio: o destino de muitas pessoas depende dele, e é por isso que se matam algumas poucas pessoas para salvar milhares. É o caso de Hamlet, que ao invés de abandonar a Dinamarca à própria sorte decide ficar e enfrentar a mãe, o que resulta na morte de Ofélia e na sua própria. É o caso também de Agamênon, que sacrifica sua filha Ifigênia à deusa Artêmis para que a Grécia possa triunfar na guerra contra Tróia. É o caso do Surfista Prateado, punido com sua prisão na Terra por ter ousado desafiar o destino imposto pelo "deus" Galactus.

Na comédia, o protagonista quase sempre é o oposto de tudo isso: ele é pobre, e livre. Não tem poder nenhum, mas pode decidir o futuro de sua vida. Por isso, quase sempre as aventuras dos protagonistas das comédias são provocadas por coisas que eles mesmos causaram, ao contrário das tragédias, onde a vítima do destino é quase sempre inocente. Os comediantes vagabundos são os mais clássicos: será que Os Três Patetas, os Irmãos Marx e os Trapalhões teriam graça se fossem ricos e poderosos? O exemplo máximo disso deve ser o Vagabundo de Charles Chaplin, um mendigo sem casa e sem família que anda por onde quer fazendo o que quer, sempre em busca de um pouco de comida e de carinho. Ele não tem filhas para sacrificar, não tem poder para corromper, nem exércitos para liderar - suas trapalhadas são conseqüência de seus próprios atos, e a resolução de seus problemas também.

O que me deixou encucado foi pensar nos outros elementos da tragédia que, se invertidos, podem se tornar coisas muito perigosas. Por exemplo: a tragédia é uma história onde experimentamos o terror, que posteriormente provocará a nossa piedade. O personagem sofre, não pode fazer nada, e nós ficamos com pena dele. Qual seria o oposto disso na comédia? Qual é o oposto do terror? Seria o humor? Aí depende do motivo porque rimos. A gargalhada pode ser libertadora e trazer alívio, mas não deve ser um instrumento do escárnio e da chacota. Se o terror da tragédia traz a piedade, o riso da comédia não pode trazer o oposto.

Outro tema importante das tragédias é a purificação. O espectador sai da peça/filme/livro com uma sensação de purificação da alma. Depois de ver as tragédias que acometem os poderosos, a extrema piedade que nos invade ao presenciar o destino cruel dos protagonistas nos torna mais humanos, e nos reforça a sensação de que somos muito pequenos se comparados à imensidão do universo; nossos problemas domésticos que parecem tragédias ("estou gorda", "meu marido me traiu", "meu chefe é um idiota", etc.) se revelam meros aborrecimentos quando comparados à dimensão trágica do destino dos ricos e poderosos.

Qual seria o posto disso tudo? Se a comédia for uma inversão dos valores da tragédia, ela poderia transformar os espectadores em monstros que não ligam para nada, que não respeitam os sentimentos do alheio, só se preocupando com o seu próprio ego.

Talvez exista sim uma "má comédia", que ao invés de purificar o espectador acaba por torná-lo mais "sujo". O poder de uma risada é muito forte: se você consegue fazer uma pessoa rir de uma coisa, ela perde o respeito por ela facilmente. Não é à toa que sempre existiram tantos comediantes políticos - desde os bobos-da-côrte medievais até os cartunistas do século XVIII e até o John Edwards.

Aqui eu começo a ficar confuso e me pergunto se existem dois tipos de comédia. Ou melhor: talvez existam duas coisas que chamamos de comédia, mas uma delas é a comédia "de verdade" enquanto a outra é apenas uma "anti-tragédia". Basta comparar um filme como "Luzes da Cidade" a qualquer comédia hollywoodiana pós-11-de-Setembro como "Vovó Zona" ou "Todo Mundo em Pânico 3". Chaplin consegue, em suas histórias, provocar o riso típico da comédia e preservar os valores e a "utilidade" da tragédia em uma mesma história. Seu protagonista não é poderoso, não é vítima do destino nem dos deuses, e sua vida cheia de livre-arbítrio provoca muitas gargalhadas ao invés do terror - mas mesmo assim ele consegue a nossa piedade, e terminamos a história com a sensação de purificação.



Os super-heróis como novos mitos e tragédias

Outra coisa que me deixou curioso na aula foi quando o professor falou no Batman, citando-o como exemplo de protagonista trágico. Na hora eu não quis falar nada para não ser o chatão da aula, e eu ia fugir do assunto que ele estava tentando abordar, mas eu discordo que o Batman seja um exemplo de tragédia grega.

Bruce Wayne é um milionário dono de uma mega-corporação. Isso poderia fazer dele um candidato a protagonista trágico - no entanto, sua vida é um poço de livre-arbítrio: depois do assassinato de seus pais quando ele era criança (até aqui uma tragédia clássica - a criança vê seus pais serem mortos injustamente e não pode fazer nada para impedir o destino) ele decide dedicar o resto de sua vida a combater o crime para tentar aplacar seu ódio. Mas ele faz isso por vontade própria, e não foi punido por essa decisão.

No entanto, existem outros aspectos da tragédia grega que podem ser aplicados ao Batman. Ele é cheio de contradições - não se sabe direito se ele é um herói ou um psicopata, se ele acredita na justiça ou na vingança. Seu livre-arbítrio também traz algumas desgraças, como a morte do Robin original ou a paralisia de Barbara Gordon. Mas, no geral, ele é apenas um "herói" que combate o crime. O poder que ele exerce, o de ser um milionário dono de uma mega-corporação, raramente entra nas tramas da história. Eu nunca vi o Bruce Wayne ter que se sacrificar para evitar uma demissão em massa, por exemplo. A empresa, seu verdadeiro reino, dificilmente aparece como personagem nas tramas.

Quem seria, então, um super-herói trágico grego clássico? O Super-Homem vem logo à mente: super-poderoso, quase um semi-deus, abandonado em um planeta que não é o seu, sempre com esse sentimento de deslocamento. No entanto, ele foi criado como um terráqueo, e possui uma afeição pela nossa espécie. A principal diferença entre ele e o Batman, que poderia torná-lo um candidato a protagonista trágico, é que ele se preocupa com o bem estar de toda a Humanidade. Ele é mais um justiceiro do que um vingador, e age sempre pensando no bem-estar do próximo. No entanto, quais são as grandes tragédias da vida do Super-Homem? Ele não poder transar com a Lois Lane? Isso é pouco.

A mini-série "Kingdom Come" (escrita por Mark Waid, baseado em um conceito de Alex Ross) explora alguns aspectos da personalidade desses dois heróis dentro de um conceito mais próximo à tradição da tragédia grega: o Super-Homem abandonou seu posto de defensor de Metrópolis e da Terra (livre-arbítrio) e isso provocou uma escalada na violência dos vigilantes super-poderosos que o seguiram, culminando com uma grande explosão nuclear no Kansas. Então ele decide voltar para tentar evitar o fim do mundo.

Outra personagem interessante nessa história é a Mulher Maravilha, que foi expulsa da sociedade das amazonas por ter falhado em sua missão. Assim ela toma para si a responsabilidade de salvar o mundo, liderando os super-heróis contra os vigilantes descontrolados. Mesmo assim, tudo escapa um pouco da tragédia grega, ficando mais do lado dos heróis gregos que usam seus poderes sobre-naturais e soluções criativas para problemas práticos.



Talvez algum herói da Marvel se aproxime mais da tragédia grega do que os da DC: o Surfista Prateado que eu citei anteriormente é um exemplo mais trágico do que heróico. Ele deve ser o único super-herói maníaco-depressivo dos quadrinhos: em suas histórias clássicas, ele está sempre sofrendo, deprimido, angustiado. Sua origem explica bem isso: para evitar que seu planeta natal, Zenn-La, fosse consumido pelo temível Galactus, o astrônomo Norrin Radd fez um acordo e tornou-se o arauto de Galactus, surfando pelo espaço e encontrando novos planetas para serem devorados.

Quando o Surfista Prateado chega à Terra, ele avisa a Galactus que encontrou um planeta nutritivo e apetitoso, mas encontra a resistência do Quarteto Fantástico. Eles lutam, mas os poderes do Surfista são grandes demais para o Quarteto. No entanto, ele cai na armadilha do protagonista e comete uma falha trágica: Sue Richards, a Mulher Invisível, o convence de que dizimar bilhões de vidas seria um erro, e o Surfista decide então voltar-se contra Galactus.

Na verdade, aqui ele comete duas falhas trágicas: a primeira, a de tomar consciência da responsabilidade que seus poderes poderiam ocasionar. A segunda, a de voltar-se não somente contra seu mestre, mas contra um verdadeiro deus: Galactus não é apenas um patrão exigente, mas uma criatura de poder inimaginável, acima do bem e do mal.

Em um ataque de livre-arbítrio, o Surfista decide lutar contra Galactus e tentar impedi-lo de comer a Terra. Surge então um deus ex machina, uma arma terrível chamada Nulificador Total, trazida de uma dimensão paralela pelo Vigia e pelo Tocha Humana. Galactus decide então abandonar a Terra, mas não sem antes punir seu ex-arauto pela ousadia: cria em volta da Terra um campo de força especial que só impede o Surfista Prateado de passar. Assim ele ficará para sempre exilado em um planeta alienígena, com sua nova consciência pensando fixamente no planeta natal e em sua amada Shalla Bal.

Ainda tem o Watchmen... mas acho que chega por hoje, né?

9 de abril de 2008

Finalmente revelada a origem do nome desse blog!

Desde que eu comecei esse blog todo mundo me pergunta com uma cara apavorada: "Whisk o que??". Tudo bem, concordo de essa grafia bizarra não é exatamente fácil de decorar, e concordo também que um blog chamado "uísque e mulheres" mais parece um diário de um tiozão divorciado do que um depositório literário de gabarito mediano, embora isso seja altamente questionável.

Fato é: exceto pelos meus irmãos, eu não conheço ninguém que saiba o que é "Whiskey and Wimmin", por isso vou explicar agora. Mas prestem atenção porque é muito complicado.

Preparados? Então vamos...

Aham...



“Sterno Canned Heat” é um combustível em gel feito de álcool desnaturado. Não, ele não bateu na própria mãe: é apenas um álcool modificado quimicamente para ficar com a consistência pastosa. Você tira a tampa da lata, bota fogo no gel, e ele queima direto de dentro da lata mesmo. Quando você quiser apagar o fogo, é só fechar a tampa e logo o fogo consome o restinho de oxigênio que sobrou (deve ser uma merda para abrir depois, mas tudo bem). Isso costuma ser usado em buffets e acampamentos para esquentar comida sem precisar acender fogueiras, que por mais divertidas que sejam, são um saco para acender. Além disso, poucos donos de festa permitem que o buffet acenda fogueiras em cima de suas mesas.

O Sterno Canned Heat foi inventado em 1900 e a marca pertence à The Candle Corporation Of America, subsidiária da Blyth, Inc. Sua composição química básica envolve etanol, metanol, água e um óxido anfotérico gelificante, além de um corante cor-de-rosa. Cada lata de 200g queima por 2 horas. O metanol é adicionado à mistura para desnaturar o álcool e torná-lo não-potável (ou "imbebível" para os mais cultos).

Mas o gênio humano não conhece limites. Viciados compulsivos em álcool e alcoólatras com orçamento muito limitado podem dissolver Canned Heat em água e depois filtrá-lo através de um retalho de pano ou se um pão velho, que fazem as vezes de filtro. Obviamente muita gente morre por causa disso, principalmente por causa do envenenamento por metanol. Só pra gente ter uma idéia do perigo, só em 1963 morreram 31 pessoas na Filadélfia por causa disso.

Parênteses nerd.

Lembram-se do clássico da ficção-científica “O Enigma de Andrômeda”, onde apenas duas pessoas sobrevivem ao ataque de um vírus desconhecido que veio do espaço? O velhinho alcoólatra era viciado em Canned Heat, e era por isso que seu sangue era tão ácido que ele sobreviveu. E tinha o bebê também e...

Bom, de volta à nossa historinha. Tá ficando interessante.

Em 1929 o blueseiro Tommy Johnson gravou uma música chamada "Canned Heat Blues", que conta a triste história de um alcoólatra que chega ao fundo do poço e começa a beber canned heat.



Em 1965, dois amigos ouviram essa música e decidiram que sua banda de blues iria se chamar Canned Heat. Esses amigos eram colecionadores de discos e viciados em blues e seus nomes eram Alan "Coruja Cega” Wilson e Bob “O Urso” Hite, que decidiram formar uma banda para manter acesa a extensa, antiga, complexa e preciosa tradição do blues, misturando covers e versões dos mais diversos e variados estilos do que eles chamavam de "boogie music".

Juntamente com os guitarristas Henry “Selvagem” Vestine e Harvey "O Cobra" Mandel o baixista Larry "O Toupeira" Taylor e o baterista mexicano Adolfo “Fito” de la Parra, eles lançaram seu primeiro disco em 1967. Além de gravar seus discos, o Canned Heat também fazia um trabalho de resgate cultural e histórico do blues, e trouxe de volta à ativa blueseiros talentosos e esquecidos, como Son House e Albert Collins. Essas parcerias culminaram em Maio de 1970 quando gravaram um disco duplo chamado "Hooker & Heat" com a lenda do blues John Lee Hooker.



Calma, amigos. Falta pouco.

Nesse disco, Hooker canta uma música de sua autoria chamada... sim! Finalmente! Chegou o momento que todos esperavam! Nesse disco, John Lee Hooker gravou uma música chamada...


WHISKEY AND WIMMIN'!!!!!

Pronto... Ufa... Eu não agüentava mais segurar isso tudo dentro do meu peito. Me sinto muito mais leve agora.

A música? Bom, a música é só um blues normal do John Lee Hooker, daqueles em que ele faz um riff e a banda fica repetindo ad nauseum enquanto ele improvisa umas frases sobre o tema. No caso, ele fica a música inteira dizendo que ele era o maioral mas que o uísque e as mulheres acabaram com a vida dele. "Night life, night life, dug out the best of me".

O que isso tem a ver com o blog? Não sei. O uísque e as mulheres acabaram com a minha vida? Ainda não. E duvido muito que isso seja possível. Mas estou me esforçando muito para permitir que isso aconteça!

Se você é mulher, ou tem uma garrafa de uísque, e quer me ajudar a acabar com a minha vida, por favor, deixe um recado. Agora, se você for mulher *e* tiver uma garrafa de uísque, deixe seu endereço que eu vou até aí agora mesmo.

Espero que esteja tudo esclarecido.

Novo Blog na Poeirosfera :: Quadrinhos Coquetes


Como parte do meu plano infalível de dominação mundial através da internet, estou lançando um novo blog. É o Quadrinhos Coquetes, em parceria com minha sócia Clarah Averbuck. O blog é sobre quadrinhos. Só isso. Resenhar, comentários, dicas de sites... enfim, qualquer coisa quadrinhos.

http://quadrinhoscoquetes.blogspot.com/

Publiquei duas resenhas de quadrinhos que li recentemente, e espero conseguir atualizar o maldito com certa freqüência. Afinal, eu leio muito mais quadrinhos do que vejo filmes.

Divirtam-se.

8 de abril de 2008

Personality Disorder Test Results

DisorderRating
Paranoid Disorder:High
Schizoid Disorder:High
Schizotypal Disorder:High
Antisocial Disorder:Moderate
Borderline Disorder:Low
Histrionic Disorder:Moderate
Narcissistic Disorder:High
Avoidant Disorder:High
Dependent Disorder:Moderate
Obsessive-Compulsive Disorder:Moderate

-- Personality Disorder Test - Take It! --
-- Personality Disorders --



Personality Disorder Test Results
Paranoid |||||||||||||| 54%
Schizoid |||||||||||||||| 62%
Schizotypal |||||||||||||||| 66%
Antisocial |||||| 30%
Borderline |||||||||||||| 58%
Histrionic |||||| 30%
Narcissistic |||||||||||| 46%
Avoidant |||||| 26%
Dependent |||| 18%
Obsessive-Compulsive |||||||||||| 50%
Take Free Personality Disorder Test
personality tests by similarminds.com


Talvez o simples fato de eu ter feito esse teste já prove que eu estou um pouco maluco. Mas vamos ao que interessa.

As principais características que o teste encontrou em mim são descritas em duas das minhas músicas favoritas de todos os tempos: "Psycho Therapy" dos Ramones, e "Paranoid" do Black Sabbath.

I'm a teenage schizoid
The one your parents despise
Psycho therapy
I'm gonna kill someone
I'm a teenage dope fiend

Finished with my woman cause she couldn't help me with my mind
People think that I'm insane because I'm frowning all the time
All day long I think of things but nothing seems to satisfy

Think I'll lose my mind if I don't find something to pacify

Será que o rock, na verdade, é apenas uma música feita por esquizóides e paranóicos, só esse tipo de gente gosta de rock? Será que consigo linkar os outros distúrbios de comportamento a outros estilos musicais?

São 3 da manhã de uma terça-feira e está tocando "The wind cries Mary" do Jimi Hendrix no rádio. Não é um bom momento para pensar nesse assunto.

4 de abril de 2008

Festinha

- Vai ter festinha lá em casa hoje!
- Legal. Eu vou sim.
- Leva bebida!
- A bebida é que me leva...