4 de janeiro de 2008

Eu sou tipo um milagre


Não sei quanto aos amigos leitores, mas eu tenho a péssima mania de relembrar a minha infância. Digo péssima porque, geralmente, nesse processo, eu acabo me lembrando de coisas bizarras que explicam - e muito - por que diabos eu me tornei quem eu sou hoje em dia. Algo assim como aquele livro "Minha Formação", do Joaquim Nabuco? Só que a versão punk anos 80. Deixa eu explicar melhor.

No livro do Nabuco (e toma trocadilho) ele fala coisas lânguidas e pitorescas, tais como:

"(...) poesia real, verdadeira, no alimento são, natural, pátrio; há sentimento, tradição, culto de família, religião, no prato doméstico, na fruta ou no vinho do país. A nós, do norte do Brasil, criados em engenhos de cana, o aroma que rescende das grandes caldeiras de mel nos embriaga toda a vida com a atmosfera da infância. E assim como há poesia na cozinha de cada país, há um quid de arte na cozinha ornamental, cozinha de refinamento, que se procura elevar pelo desenho e pela forma até o motivo do banquete, – e fazer história, fazer política..."

Olha, doutor Nabuco... eu tou fazendo um Bauru aqui e... vai alface??

Devia ser muito fácil ser um gênio intelectual antigamente. Você nascia rico, estudava em colégios super repressores, lia muito, não tinha televisão, não tinha chiclete, nem Playboy, nem filme de bang bang, enfim, não tinha merda nenhuma pra fazer; e aí você desperdiçava sua infância inteira com literatura, observação de pássaros, roubar frutas no pomar do alheio e ficar correndo para cima e para baixo com um carrinho de lata de goiabada ou empurrando um aro com um pedacinho de pau.

A minha infância se passou no asfalto, entre video-games, programas da Xuxa, gibis da Mônica e do Pato Donald, Comandos em Ação, Forte Apache e outras mazelas culturais. Eu destruía meus dentes com chiclete e sorvete, passava New Wave no cabelo (que caiu, obviamente) e jogava Ranca com minhas botinhas Bubblegummers.

Considerando tudo isso, eu acho um milagre que eu tenha terminado a quarta série. O que dirá entrar no doutorado.

Gostaria de, algum dia, sentar-me à sombra do jacarandá - em um majestoso notebook - e escrever as memórias de minha infância, tal qual Nabuco em sua soberana prosa... apenas com uma pitadinha da dura realidade das ruas. E do que foi ser criança naqueles pavorosos anos 80.

Difícil é ter estômago para tanto.

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