Eu não sei quem defenestrou Isabella, e nem por que, mas o isso não faz a menor diferença. Todos os dias crianças caem de janelas. Algumas morrem, outras não. É triste? Claro. Mas que relevância isso tem a ponto de se tornar o único assunto dos jornais, especialmente na Rede Globo?
Uma única menina morreu. Ela não era nem famosa. Ela foi feita famosa porque algum editor "jornalístico" decidiu que "a opinião pública" queria saber quem a matou. "A opinião pública" e "a democracia" são os argumentos preferidos das pessoas mal-intencionadas que precisam justificar alguma ação totalmente arbitrária e sem sentido - como, por exemplo, a invasão do Iraque.
Os pais da tal Isabella estão sendo tratados como monstros assassinos, sem que exista nenhuma prova contra eles. O CSI foi lá, brincou de luminol, e a Rede Globo ficou um tempão mostrando como isso funciona. Depois eles ficaram discutindo, ao vivo, no ar, o que a madrasta da Isabella ia almoçar na delegacia. Se o suco era de caju ou de laranja. Enquanto isso, já tinha gente na rua com foto-camisa da Isabella, gritando "Justiça! Justiça!". Justiça, que nesse caso, é um apelido para "vingança". Ou quem sabe para "sublimação da frustração sexual através do derramamento de sangue inocente". Mas isso é muito comprido para gritar na rua.
Enquanto todo mundo discute se foi o pai ou não foi o pai, quais foram os métodos da polícia, e outras amenidades irrelevantes, o assunto real está sendo ignorado: por que será que a Globo passa tanto tempo falando sobre esse assunto? Será que não tem nada mais importante acontecendo no mundo? Ou no Brasil mesmo? Vocês gostam de criancinhas mortas? Por que não falam das do Iraque? Do Tibete? Da Paraíba? E o caso da Escola Base? Aquele, em que todo mundo queria comer o cu dos donos da escolinha porque pensaram que eles tinham feito a mesma coisa, e quando provaram que era tudo mentira todo mundo ficou quietinho e abafou o caso... lembra? E todos os outros casos onde a mídia se aliou à "opinião pública" (o combustível do fascismo) para julgar e condenar pessoas antes que a justiça e a polícia o fizessem? Quem é que vai depois pedir desculpas, se retratar, pagar indenizações? Já notaram quantas perguntas eu fiz nesse parágrafo?
Faço perguntas porque as respostas são óbvias. A mídia não informa nada. O papel da imprensa não é dizer a verdade. A televisão, o jornal impresso, a revista, tudo isso são empresas. E no sistema capitalista, a única função social de uma empresa é gerar lucro. Simples assim. O Estado de São Paulo não tem obrigação nenhuma de ser correto. O Jornal Nacional da Globo não tem pretensão nenhuma em dizer a verdade ou investigar o que é "certo" e "justo". Eles só querem ganhar dinheiro, e ponto final.
Isso esbarra na briga jornalistas versus blogueiros. Se formos apontar uma diferença entre as duas categorias, seria o fato dos jornalistas serem profissionais da informação, e pagos por isso. Eles têm patrão, anunciantes, linha editorial para seguir. Os blogueiros não. Eles postam porque querem, e por isso podem falar o que pensam. Se isso é bom ou ruim? Depende. Mas uma coisa é fato: a tão-falada "monetização de blogs" é a diferença entre opinião e informação livres e a lenta, gradual e silenciosa corrupção das opiniões.
O calejado Luis Nassif fez um post em seu blog comentando sua decepção ao descobrir que os assessores da Soninha teriam entrado no esquema da Veja, mudando radicalmente de opinião sobre o caso do COC. O post traz expressões como "o último ataque partiu de quem eu menos esperava", "confesso que não entendi nada" e "é uma pena", mostrando que mesmo os mais experientes analistas políticos do Brasil ainda conseguem se chocar com certas coisas. Não tenho nada pessoal contra a Soninha, mas façamos uma rápida revisão da carreira dela: começou como apresentadora da MTV-Abril-Viacom, depois foi para a Sportv-Globo, foi eleita vereadora pela cidade de São Paulo, e agora está no canal GNT-Globo. E mesmo assim todo mundo pensa nela como uma pessoa diferente, que está acima de "tudo isso que está aí". Por que?
Essa separação entre político bondoso e político ladrão, entre mídia boa e mídia má, é uma visão muito limitada do problema. Vamos imaginar que exista um político perfeito segundo o imaginário popular: honesto, trabalhador, que não se deixa curvar por nada, incorruptível, temente a Deus (estamos falando do imaginário popular, lembra?), que luta todos os dias pelos direitos do trabalhador brasileiro.
Vamos imaginar agora que esse nosso querido amigo foi eleito senador. Vocês realmente acham que ele ia fazer alguma coisa? Ele é apenas um mero senador perdido num oceano de pessoas. E se vocês acham que eu estoue exagerando, vejamos um exemplo mais radical ainda, diretamente da vida real: quando o Lula foi eleito, as pessoas choravam de emoção nas ruas. "Finalmente! Um de nós chegou ao poder! Agora as coisas vão mudar!"
Como se ele fosse alguma espécie de Deus que controla os eventos do universo. Mas ele não é. Ele diz que ligou pro Bush e disse "ô Bush", mas é tudo mentira. Ele só faz discursos. E discursos não mudam nada. Ele não pode decidir o futuro do Brasil, ele não pode controlar a economia global, ele não pode curar o câncer das criancinhas. O Lula não pode evitar que a Isabella seja espancada e morta.
O mesmo vale para o Chavez, para o Uribe, para o Sarkozi e para o Bush. O mesmo vale para o Obama, a Hillary, e qualquer outro político que apareça no cenário dizendo que vai fazer e acontecer e que mudanças vão elevar o nível da Humanidade, que o futuro vai ser melhor. Isso tudo é conversa para boi dormir. Ninguém consegue controlar o destino da Humanidade. Ou de um país. Ou de uma única pessoa que seja.
Agora, se a mídia não pode fazer nada, se os políticos não podem fazer nada, e a Igreja obviamente não vai fazer nada... quem é então que pode? Como é que a gente pode ter esperança nesse mundo louco, se não temos nenhum super-herói para nos salvar?
Quando a gente é criança, não pode fazer nada. Os pais não deixam a gente comer biscoito, não deixam a gente sair sozinho na rua, não deixam a gente ir no parquinho nem dormir na casa dos amigos. Aí a gente cresce, vira adulto, e pode fazer o que quiser. Mas a gente não come biscoito, não sai sozinho na rua, não brinca no parquinho, não dorme na casa dos amiguinhos. A gente fica em casa vendo televisão, comendo lasanha congelada Sadia, reclamando dos políticos e esperando pra ver quem vai no Jô Soares.
Acontece que nós, os adultos... nós podemos fazer coisas.
Nós podemos mudar o mundo anonimamente. Nós não precisamos de líderes. Quem é o dono dos Médicos Sem Fronteira? Quem é o criador do Firefox? Quem é que manda na Wikipedia? Não importa: são apenas grupos de pessoas comuns que se juntaram para fazer uma coisa em que eles acreditam.
O mundo da arte, hoje em dia, é um pouco assim também. Acabou a era dos grandes artistas individuais: a arte se pulverizou pelo mundo, pelas ruas, nas paredes, virou brinquedo e website e adesivo e camiseta e não importa mais quem fez o que, o que importa é se as coisas são legais ou não.
A internet é a ferramenta mais poderosa do nosso tempo, e permite que grupos de pessoas comuns se unam em torno de objetivos comuns. Se dá certo ou não, depende. Mas o importante é que a gente pode tentar. Não depende da MTV nem do Google nem do Lula. Só depende da gente mesmo. É por isso que a gente tem medo. Mas é por isso que a gente tem que tentar.
Um jeito bem estranho de beber...
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Ao longo da minha vida eu já vi muitas pessoas esquisitas bebendo coisas
estranhas de maneiras bastante inusitadas.
Agora, isso aqui... Isso aqui eu nunca ...
2 comentários:
palavras sábias... falar em nome da "opnião pública" é fácil demais...
O caso Isabela é novela. É folhetim. Não importa tanto quem matou, mas sim o desenrolar da investigação. Do mesmo jeito que a novela das 8 é o que dá mais Ibope, a investigação todo dia nos jornais bomba a audiência.
Mas sem querer soar como se eu tivesse numa lista, Perna (mas já soando): a internet pode salvar o mundo? Rolou uma ingenuidade básica aí. Aquela mesma ingenuidade que chorou com o Lula na presidência, a mesma que elegeu a Soninha. É tudo gente. Eles, nós e quem está na internet. Não temos solução.
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