Hoje foi um dia típico na minha vida.
Acordei às 7 da manhã, depois de 4 horas de sono. Tinha que esperar o entregador da máquina de lavar roupa que ia chegar na parte da manhã, "no máximo 11 horas" disse o vendedor. Enquanto esperava, resolvi entrar na internet. Metade dos sites que eu queria acessar, incluindo a Wikipedia e o YouTube, não estavam entrando. Problemas no Virtua.
A manhã passou lenta enquanto eu esperava a entrega. Subitamente, toca no celular um número desconhecido. Atendo, e é uma chamada a cobrar. Só podia ser o entregador. Atendo, mas ninguém fala. Ligo de volta para o número. Duas vezes. Ninguém atende. Desço até a portaria e vasculho a rua. Tem uma kombi e um caminhão estacionados. Pergunto em ambos. Nenhum dos dois era para mim.
Esperei o entregador até o meio-dia, quando resolvi sair para almoçar - ele podia me ligar no celular se chegasse. Fui até o banco tirar dinheiro para almoçar e pagar o entregador, e descobri que minha conta no banco estava negativa.
Liguei para meu pai e pedi o dinheiro do entregador emprestado. Ele estava ali por perto, e nos encontramos para almoçar. Meio-dia e dez, todos os restaurantes da região estavam lotados. Dei sorte: peguei uma fila de apenas 15 pessoas, e almoçamos em silêncio na mesa de outros dois caras.
Voltei para casa e esperei o entregador até as 15:00. Não dava mais para esperar: saí de casa e peguei um ônibus até o centro da cidade, onde tinha que buscar meus pratos de bateria para um ensaio às 18:30. Trânsito horrível, ônibus lento, um calor insuportável. Apenas mais uma quarta-feira normal em Belo Horizonte.
Chego no estúdio, meu amigo que trabalha lá não estava. Abre a porta o sócio dele, que eu nunca tinha visto mais gordo. Ele me leva até o estúdio, onde abro a porta e arruino a gravação que um menino estava fazendo. Ela larga e guitarra e tem que começar tudo de novo, enquanto eu saio envergonhado do local com uma tonelada de círculos de bronze, níquel e cobre.
Desço do ônibus escorrendo suor, e no caminho de casa, carregando o peso dos pratos, sinto meu celular vibrar. É minha esposa, querendo saber se eu não ia ao ultra-som com ela. Digo que estou chegando em casa, e ela me pergunta se eu comprei os DVDs para gravar o vídeo. Sem querer nem saber se eu tinha ou não dito que ia fazer isso, corro até uma papelaria para comprar os malditos disquinhos. Os atendentes da loja são incrivelmente lentos, assim como é complicado o sistema da loja - envolvendo carimbos e outras coisas que eu achava que só existiam em livros do Kafka. Um cliente grande e lento atrapalha minha passagem.
Chego em casa sem fôlego, transbordando suor pelas roupas. Jogo os pratos no sofá da sala, e saio com minha mulher para ir até a clínica. Ela resolve ir de ônibus para não ter problemas para estacionar o carro, e pegamos um SC02A lotado. O coletivo dá uma volta enorme pelo centro da cidade, e revisito pela janela vários lugares por onde tinha acabado de passar. 45 minutos depois, chegamos na clínica, que ficava a 30 minutos de caminhada da nossa casa.
Entro na sala de espera, e sinto um alívio: ar condicionado bombando. Sento-me na cadeira acolchoada, fecho os olhos, e deixo-me levar pelo ar frio. Penso em coisas boas. Vida simples. Essas babaquices.
30 segundos depois, toca o celular. É o entregador.
Discuto com ele no telefone dizendo que o vendedor da loja é quem tinha marcado o horário. Ele diz que vai levar a máquina de volta à loja. Gastando todo o resto da minha paciência, não mando ele tomar no cu nem nada do tipo. Desligo o celular e tento me concentrar no ultra-som. A atendente diz que vai demorar pelo menos 2 horas. São 17:45 e eu tenho um ensaio às 18:30.
Toca o celular. Mesmo número, outro entregador. Diz que podem esperar meia hora. Decido resolver logo o problema. Deixo minha mulher sozinha na clínica e corro até o ponto do ônibus. Hora do rush. Trânsito parado. Quando chego perto da minha casa, o ônibus dá uma volta sinistra e vai parar no Parque Municipal. Pulo da porta e saio correndo na Afonso Pena em pleno fim de tarde. Confiro mentalmente se ainda tenho algum dinheiro: só sobraram os 30 reais do entregador e alguns trocados. Não dá para o taxi, mas dá para outro ônibus. Chego na rua, e vejo o maldito subindo lentamente. O sinal fecha, corro por entre os carros, dou sinal, o motorista arranca. Sigo o carro até o sinal fechado, bato na porta, peço pelo amor de Deus - pela primeira vez na minha vida - e ele cede. O trânsito está uma merda. Ligo para o entregador. "Estamos aqui esperando."
Desço do ônibus muito tempo depois, vindo de um engarrafamento brutal. Já estou atrasado para o ensaio. Chego no prédio, não vejo entregador nenhum. Ligo para eles: "estamos chegando". Espero até as 19:20. Eles chegam, jogam a lavadora no canto, e vão embora em 2 minutos.
Chego no meio do ensaio, e ninguém começou a tocar ainda. O ar condicionado não dá conta de nós 6 dentro da salinha. Passo 1 hora tocando bateria, escorrendo suor, exalando odores inimagináveis. Camada após camada de suor sob a minha camiseta.
No fim do ensaio, discussões sobre problemas de horário e ensaios, mas não consigo ouvir nada. Minha cabeça está a ponto de explodir.
A noite cai mas o calor continua. Encontro minha esposa chegando do exame e temos tempo de comer um sanduíche rápido. Minha cabeça dói muito, e nem sei dizer por que - poderia ser o calor, o stress, a fome, a sede, ou tudo isso junto. Como, bebo água, mas nada adianta. Tento rir dos eventos malucos do dia, mas nada resolve. Decido então testar a maldita máquina de lavar. Já que deu tanto trabalho, pelo menos quero dormir com aquele cheirinho de roupa limpa no varal.
Descobri que deixei a geladeira desligada por duas horas. Religo tudo, coloco um T na tomada, e vamos em frente. Encho a máquina de lavar com roupas pretas, programo tudo, ligo tudo, e aperto o "on/off". Ela liga e começa a encher o tanque com água.
Sento-me à mesa e faço um lanche rápido onde tento colocar em perspectiva todas as maluquices do dia. Depois de comer, vou até a máquina, e vejo que a área está toda inundada. Algum defeito no aparelho fez com que ele não parasse nunca de encher. Vou ter que ligar para a loja, reclamar, chamar a assistência técnica, o diabo. Desligo tudo e tento fazer alguma coisa para esvaziar o tambor da máquina. Ligo o modo "centrífuga", aperto o botão, e ouço a água vindo pelo cano. Pelo menos alguma coisa na máquina está funcionando.
Quando a água começa a jorrar dentro do tanque, começa também um refluxo no ralo do banheiro de empregada. A água de esgoto, impulsionada pelo escoamento da máquina de lavar, jorra para cima, inundando mais ainda a área de serviço, não mais com a água cristalina e suja de sabão em pó que vinha da máquina, mas com uma água preta e fedorenta saindo do ralo.
Desligo a máquina com um suspiro. Pego os poucos panos de chão que temos em casa e evito que a água se espalhe para dentro da cozinha. Fecho tudo, apago as luzes. Chega. Cansei. Desisti.
Vou até o banheiro e tomo um banho gelado, morrendo de medo de tomar um choque ou algo do tipo. A dor de cabeça continua forte.
Esgotado e à beira de um ataque de nervos, caio na cama, luz apagada, meio molhado do banho, coberto só pela toalha. Tento me concentrar no vazio, na escuridão, apagar e dormir o mais rápido possível. Amanhã vai ser um novo dia, e tudo vai dar certo.
Olho no relógio. O dia ainda não acabou.
A campainha toca às 23:00. Abro a porta, e vejo uma vizinha. Aos seus pés, um rio de esgoto, cuja nascente é a porta da minha área de serviço, as margens são as paredes do corredor do nosso andar, e termina em uma caudalosa cachoeira de mármore em direção ao andar de baixo.
Pano de chão e balde em mãos, ajoelho-me na escada e começo a secar um degrau após o outro. Passa o pano, torce no balde, desenrola, passa o pano, torce no balde, desenrola, passa o pano, torce no balde, desenrola, passa o pano, torce no balde, desenrola, passa o pano, torce no balde, desenrola, passa o pano, torce no balde, desenrola, passa o pano, torce no balde, desenrola, passa o pano, torce no balde, desenrola, passa o pano, torce no balde, desenrola, passa o pano, torce no balde, desenrola, passa o pano, torce no balde, desenrola, passa o pano, torce no balde, desenrola, passa o pano, torce no balde, desenrola, passa o pano, torce no balde, desenrola, passa o pano, torce no balde, desenrola, passa o pano, torce no balde, desenrola, passa o pano, torce no balde, desenrola, passa o pano, torce no balde, desenrola, passa o pano, torce no balde, desenrola, passa o pano, torce no balde, desenrola, passa o pano, torce no balde, desenrola, passa o pano, torce no balde, desenrola, passa o pano, torce no balde, desenrola, passa o pano, torce no balde, desenrola, passa o pano, torce no balde, desenrola, passa o pano, torce no balde, desenrola, passa o pano, torce no balde, desenrola, passa o pano, torce no balde, desenrola, passa o pano, torce no balde, desenrola, passa o pano, torce no balde, desenrola, passa o pano, torce no balde, desenrola, passa o pano, torce no balde, desenrola, passa o pano, torce no balde, desenrola, passa o pano, torce no balde, desenrola, passa o pano, torce no balde, desenrola, passa o pano, torce no balde, desenrola, passa o pano, torce no balde, desenrola, passa o pano, torce no balde, desenrola, passa o pano, torce no balde, desenrola. Muitas e muitas vezes além dessas aqui descritas.
Agora são 1 da manhã. Estou acordado há 18 horas. Meu estômago está roncando. Minha cabeça dói como se tivesse uma bola de sinuca dentro. Não me lembro direito do que aconteceu. Só sei que eu só queria ser um cara normal. Eu só queria fazer tudo direitinho e deixar todo mundo feliz.
Mas eu nunca aprendo.
30 de outubro de 2008
Um dia como outro qualquer.
24 de outubro de 2008
Feriados Muito Loucos
Eu sempre curti Halloween, Natal e outras festividades malucas, mas nunca tive muita paciência para a influência religiosa delas. Felizmente, ao longo da vida, fui percebendo que as principais festas do nosso calendário foram cristianizadas à força, mas tinham raízes muito mais antigas do que o próprio cristianismo.
Essas festas sempre caem nas datas dos equinócios e solstícios, ou então nas datas de virada entre as estações do ano. É o caso, por exemplo, do famoso Halloween.
Essa tradição irlandesa se popularizou nos Estados Unidos, e por isso é vista com maus olhos pelos puristas no Brasil. A festa ocorre no final de Outubro, que é quando termina o outono no hemisfério norte e começa a preparação para o inverno. Os fazendeiros fazem a colheita e matam vários animais para estocar a carne e a gordura e enfrentar o frio do inverno que vem por aí. Segundo a tradição, nessa época a barreira que separa o mundo dos espíritos do mundo dos humanos fica borrada, e os fantasmas do além têm mais força para interagir com os mortais.
Dois meses depois dessa data, no final de dezembro, ocorre o solstício de inverno, que, em teoria, seria a noite mais longa do hemisfério norte. É por isso que a maioria dos heróis lendários e mitológicos daquele lado do mundo nasceu no final de dezembro, entre eles o famoso Jesus. Mas a idéia nessa data é espantar o frio e a escuridão do inverno com luzes muito brilhantes, e celebrar a vida com fartura em uma mesa muito rica em comidas cheias de calorias para enfrentar o final do inverno: bolo de nozes, carnes vermelhas e brancas, arroz com champagne, castanhas, frutas cristalizadas, etc. O simbolismo da árvore é tão antigo quanto o tempo, e remete à idéia dos ciclos de vida e da dependência que o homem tem da natureza. Enfeitá-la com guirlandas e outros enfeites brilhantes, além das luzes, cria focos de luz na escuridão do inverno.
É claro que, aqui no Brasil, essas datas são invertidas, mas isso não nos impede de festejar. Basta separar o joio do trigo e ficar apenas com a parte boa das festividades.
HALLOWEEN
Coisas paias: Sair pela rua enchendo o saco dos seus vizinhos pedindo comida e doces.
NATAL
Coisas paias: Ficar stressado na fila do caixa das Lojas Americanas, gastar dinheiro à toa com presentes inúteis, incentivar o consumismo capitalista desenfreado, a Missa do Galo, presépio, músicas de natal, ganhar meias.
22 de outubro de 2008
Blog anti-Quintão
http://www.bhcontraquintao.blogspot.com/
O blog acima se dedica a publicar mensagens contra o candidato Leonardo Quintão, misturando artigos de jornal, depoimentos, vídeos do YouTube e outras. Vale a pena a leitura.
18 de outubro de 2008
Erasmão
Ninguém nunca entende quando eu falo que gosto mais do Erasmo Carlos do que do Roberto.
Pois estava eu hoje cantarolando a seguinte canção:
Meu bem, meu bemE pensei: "Melô do baseado...!!"
Toda vez que eu te vejo
Mais aumenta o meu desejo
Me acende com teu beijo
Me acende...
Meu bem, meu bem
Beija bem devagarinho
Me abraça
E me chama de benzinho
Me acende com carinho
Me acende!...
Imagina se o Robertão ia escrever uma música do ponto de vista de um baseado!
Jamé.
16 de outubro de 2008
Resumo da Semana (Mês) (Década) (Era Cristã)
Laerte, gênio de plantão, mais uma vez explica tudo o que eu penso sobre política e economia em apenas 4 frases e seus respectivos desenhos. Poder de síntese na sua cara!
14 de outubro de 2008
Sub-prime na sua cara!
Saiu uma pesquisa do Gallup feita nos Estados Unidos entre 10 e 12 de outubro, com 1.269 pessoas. Margem de erro de três pontos percentuais.
- 49% dos entrevistados não esperam a recuperação da economia por um longo tempo e vêem a crise como causa de uma mudança permanente na economia.
- 47% dizem que o mau momento da economia é temporário
- 91% dizem estar descontentes com o modo como o governo está resolvendo a situação.
- 16% dizem confiar em George W. Bush e em sua equipe de assessores.
- 80% dizem não acreditar que Bush será capaz de resolver a crise nos últimos meses de seu mandato.
- 25% aprovam o governo Bush.
- 71% desaprovam.
- 63% dizem não acreditar que o republicano John McCain possa encerrar a crise.
- 50% dos entrevistados não confiam nas propostas de Barack Obama para retomar o crescimento econômico.
Nos Estados Unidos, a crise já começa a ser sentida nas ruas, e na cara das pessoas. O cidadão médio comum daquele país investe seu dinheiro na bolsa como nós brasileiros "investimos" na poupança. Ou seja, agora que os mercados despencaram e parece ter estourado uma bolha no sistema financeiro dos EUA, não foram apenas os grandes bancos e corporações que perderam dinheiro, mas toda a classe média que tinha sua aposentadoria e a universidade de seus filhos aplicados na bolsa também perdeu muito dinheiro. O Dow Jones já está acumulando uma queda de 40% em um ano.
Os estadunidenses que financiaram a compra de suas casas próprias no famoso "mortgage" também estão em maus lençóis. O valor da dívida do financiamento ultrapassou o valor real dos imóveis, e a tendência é que essa discrepância aumente ainda mais. Cerca de 10 milhões de famílias estão nessa situação.
O endividamento atual das famílias dos Estados Unidos já soma 140% do valor do PIB daquele país, o que equivale a aproximandamente US$ 19.600.000.000.000,00 (dezenove trilhões e seiscentos bilhões de dólares). Essa dívida remonta à recessão do ano 2000, quando a solução para a crise foi liberar o crédito como se não houvesse amanhã.
Esse amanhã havia, e é hoje.
Os bancos que financiaram essa enxurrada de endividamentos estão passando muito aperto. Alguns já quebraram, e os restantes emprestaram entre 10 a 35 vezes o valor do patrimônio real de que dispunham.
A situação atual: os bancos estão devendo todo mundo, as pessoas estão devendo todo mundo, e ninguém tem dinheiro para nada. Se ninguém tem dinheiro para nada, como é que as pessoas vão comprar coisas? E se elas não comprarem coisas, como é que as empresas que vendem coisas vão ganhar dinheiro? Sem dinheiro, as empresas começam a demitir funcionários, os desempregados não podem pagar suas dívidas aos bancos, os bancos não têm dinheiro para fazer nada, e assim a avalanche vai descendo a montanha.
A taxa de desemprego da Califórnia já chega a 7,7% contra 6,1% da média nacional. A tendência é que ambos os números cresçam ainda mais.
Agora quem vai se endividar como se não houvesse amanhã é o próprio governo federal dos Estados Unidos. O presidente Bush anunciou hoje que o governo vai investir duzentos e cinqüenta bilhões de dólares para comprar ações das empresas e bancos que estão próximos da falência devido ao endividamento. Ninguém quer usar a "palavra com E", mas o que eles vão fazer é estatizar parcialmente essas empresas para evitar que elas sejam gerenciadas de maneira ainda mais desastrosa. Isso vai impedir uma quebradeira generalizada, mas vai mandar o déficit fiscal dos EUA para a estratosfera.
A origem dessa dinheirama toda são os famosos Títulos do Tesouro. O "banco central" dos EUA emite esses títulos e vende no mercado. Agora o que eles vão tentar fazer é vender esses títulos a outros países - como se fossem uma empresa à beira da falência vendendo ações a novos investidores.
O problema é que nos EUA todo mundo está endividado até a raiz do cabelo. Governo, bancos, empresas, cidadãos - todo mundo está devendo até a alma. Quem é que vai confiar nesse sistema a ponto de comprar suas "ações"? Quem é que está disposto a emprestar esse dinheiro para os Estados Unidos, e qual será a taxa de juros cobrada?
Um dos principais clientes em potencial são os "países em desenvolvimento" ou "economias emergentes", que têm mais ou menos uns US$ 9.000.000.000.000,00 circulando no mercado (nove trilhões de dólares - estou escrevendo os números com esse monte de zeros para vocês terem uma noção visual do tamanho do problema).
A prova de que a coisa está mais feia do que parece foi o que aconteceu no último sábado, 11 de outubro de 2008. O presidente George W Bush desceu de seus tamanquinhos de cowboy e participou, humildemente, pela primeira vez na sua vida e em seus 8 anos de governo, de uma reunião do G20.
Quando o líder máximo dos EUA precisa pedir esmola aos seus amigos mexicanos, chineses, africanos e brasileiros, é porque estamos mesmo à beira do abismo.
10 de outubro de 2008
A crise monetára internacional
Eu falo, falo, falo, mas ninguém escuta.
Cansei de avisar o Henry Paulson pra tomar cuidado com os créditos podres. Ou melhor, créditos pobres. Eu dizia a ele: "Hank, meu filho, não deixa esse povo emprestar dinheiro como se não houvesse amanhã!" Mas não. Garoto liberal, deixou as empresas fazerem o que quisessem. E deu no que deu.
O problema do liberalismo é que, assim como todos os sistemas de governo e economia do mundo, sua linda teoria esconde uma intenção nefasta. A idéia de deixar o capitalismo trabalhar livre das amarras do governo parece ótima, mas inclui uma cláusula muito pequenininha no final do contrato que quase ninguém lê. É que quando as empresas fazem uma merda qualquer - sem querer ou de propósito - quem tem que sair correndo para salvar a economia é o Governo. Ele tapa os buracos deixados pelas instituições financeiras que agiram de maneira displicente usando dinheiro público. E nunca é na forma de empréstimo. É sempre uma doação.
Muito se discutiu na semana passada sobre o "pacote de ajuda" do governo dos EUA para amenizar a crise. Como assim "ajuda"? As empresas estão a ponto de falir, e o governo pega dinheiro público para cobrir o rombo? Exatamente. Mas claro que existem bons motivos para fazer isso: evitar desemprego em massa, evitar o efeito cascata das quebras, etc. Quando o PROER ajudou os bancos no Brasil, eu compreendi que, se isso não fosse feito, ia ser uma quebradeira que ia acabar afetando diretamente as contas bancárias da maiorias das pessoas, e ia ser uma merda. Mas lá se foi o dinheiro... e no fim das contas, quem pagou isso foi a gente mesmo!
O que eu acho engraçado é que esse dinheiro, que teoricamente estaria ajudando os pobres, sai todo dos cofres públicos - e não é reposto depois. Os governos não fazem um empréstimo de 2 bilhões de dólares às empresas: eles enfiam o dinheiro no ralo para evitar que o resto da água vá embora, e por ali mesmo ele fica. Nunca mais se ouve falar nele.
Com pacote ou sem pacote, todo mundo concorda que essa é a maior crise econômica desde 1929, e todo dia o circuit breaker da BOVESPA é ativado mais de uma vez. Eu nunca tinha visto isso acontecer na minha vida, e agora isso acontece várias vezes por dia. É de arrepiar.
Eu que já passei pelo Plano Cruzado e coisas do tipo, ainda fico com aquele medo latente de que, a qualquer momento, a inflação pode disparar e os preços dos alimentos vão ficar malucos. Se isso acontecesse hoje, acho que seria ainda pior: tanto as pessoas quanto o capitalismo são muito mais selvagens hoje em dia do que eram em 1984. Por incrível que pareça.
O resultado final dessa crise vai ser o mesmo de sempre: as empresas vão lucrar, os investidores vão lucrar, os governos vão fingir que fizeram alguma coisa para ajudar seus eleitores, e os trabalhadores vão continuar pagando o pato. No Brasil, esse pato já consome 40% dos salários, e não existe absolutamente nenhuma esperança disso melhorar, seja no futuro próximo ou longínquo.
Enquanto isso, o soberano de nossa nação, impávido colosso, acalmou o mercado com suas palavras de sabedoria. Segundo Inácio,
"o papel do Presidente é passar para a sociedade a serenidade que a sociedade precisa para continuar acreditando no país. (...) Eu continuo otimista que a gente vai ter um grande Natal no Brasil. (...) É como se nós tivéssemos tomado uma vacina contra uma doença e ela está demorando para chegar ao Brasil."Enquanto isso, nos EUA, o nosso velho amigo Paulson está tentando arrumar algum jeito de "acabar" com a crise, minimizando o impacto dela sobre seus amigos ricos. Ele já se reuniu com seus brothers de Wall Street, e juntos else tramaram alguns planos. Paulson, que era um dos donos do Goldman-Sachs, incluiu em seu plano, aprovado pelo Congresso, a seguinte norma, na Seção 8 do texto:
“Decisions by the Secretary pursuant to the authority of this Act are non-reviewable and committed to agency discretion, and may not be reviewed by any court of law or any administrative agency.”Mentalidade típica de um bushista.
Enquanto isso, a classe média continua sonhando em ficar rica. Todo mundo continua comprando R$ 100,00 de ações da Vale e jogando poker nos finais de semana. Ajoelhados na Igreja, pedem a Deus que os torne ricos - o que é tão eficaz quanto jogar na Mega Sena.
Bem, e por que diabos eu, que sempre estou no vermelho, gosto mais de coxão mole do que de filé mignon, prefiro cachaça a champagne, não tenho carro, nem ações, nem empresa, nem herança, estou me importando com essa crise financeira?
É que vocês não acham meio esquisito essa crise ter estourado tão próxima das eleições?
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7 de outubro de 2008
Teenage Kicks
(esse post é diretamente vinculado a outro post que fica no blog da minha querida amiga Júlia, sobre o mesmo assunto, só que não, porém sim!)
Dizem por aí que todo adolescente é revoltado. Quando eu tinha lá meus 14 aninhos, eu bem que curtia o meu Nirvana e o meu Exploited, rabiscava um A de Anarquia na carteira do colégio, e dizia pros meus pais que não queria ser advogado. Eu deixei meu cabelo crescer, e isso causou uma comoção danada. Meus avós ficaram consternados - seu neto, cabeludo! Era um acinte. Eu ficava ouvindo também uns discos de heavy metal, e eles temiam pelo futuro da minha alma quando chegasse o dia do juízo final.
O que eu não sabia explicar aos meus avós era que, naqueles discos de que eu tanto gostava, eu encontrava uma verdade muito mais verdadeira que a deles. A verdade de que o juízo final já tinha chegado, que a gente já estava no inferno, e que daqui pra frente ia ser só isso. Que nada nunca ia melhorar, não haver nenhuma revolução, revelação ou redenção, muito menos intervenção divina.
Do "if you're going to San Francisco" que os meus pais ouviam na adolescência deles para o "walking these dirty streets with hate in my mind" que eu cantarolava enquanto andava pelas ruas da cidade, houve toda uma geração de mudanças.
Mas pensando melhor... será que houve mesmo?
Depois que o meu cabelo finalmente cresceu e eu fiquei parecido com um Ramone, minha mãe até que curtiu a idéia. Ela sempre quis ter uma filha mulher. Então ela adorava escovar o meu cabelo comprido e fazer tranças nele. Eu tinha que ficar 2 semanas sem lavar o coitado para ela parar de achar ele lindo e eu voltar para meu lugarzinho confortável longe da sociedade.
Aos poucos o som da "minha geração" também foi mudando. Aquela música que era tão agressiva nos anos 1980 já não surtia mais o mesmo efeito nos anos 1990. Em janeiro de 1991, quando o Sepultura tocou no Rock In Rio 2, o Max Cavalera foi preso porque teria pisado em uma bandeira do Brasil em cima do palco - mas logo depois a banda já estava no Fantástico, que louvava a carreira internacional dos 4 rapazes pobres de Belo Horizonte que agora ganhavam em dólar e excursionavam pela Europa.
E aos poucos a bola de neve foi descendo a montanha. Estilistas de moda como Vivienne Westwood e redes de lojas como a Hot Topic ajudaram a transformar as roupas que eram o uniforme dos punks em roupas fashionistas para consumo seguro das famílias de classe média. Coturnos e tarrachas ganharam a passarela, e são hoje vendidos alegremente em qualquer loja do centro ou dos shopping centers. Tatuagens e piercings viraram itens obrigatórios para pessoas chics, elegantes, descoladas, antenadas, e modernas em geral.
A mesma coisa aconteceu com o hip-hop, e lenta e progressivamente eu fui me afastando desses dois "movimentos". O ápice desse processo foi no dia em que o Roberto Marinho, um dos maiores ícones de tudo o que os punks brasileiros combatiam, morreu. Por sorte, eu tinha um show com a minha banda de punk rock naquela mesma noite. Mas quando noticiei a morte dele no microfone, ao invés de aplausos e gritos de aleluia, tudo o que ouvi foi um silêncio constrangido de pessoas que me achavam um canalha por estar celebrando a morte daquele homem que tantos hinos e fanzines punks haviam achincalhado.
Foi então que compreendi que, punks ou não-punks, hip-hoppers ou não-hip-hoppers, apesar da nossa fúria, ainda éramos apenas ratinhos em uma gaiola. A sociedade praticamente nos implorava para que fôssemos daquele jeito. A polícia praticamente nos agradecia por usarmos uniformes tão óbvios e gritantes, que os ajudavam a ir diretamente em seus alvos prediletos. Nossos cabelos compridos e espetados haviam sido cuidadosamente planejados por designers de produto na loja do Malcolm McLaren, em Londres. Era tudo um grande esquema, onde os nossos pais e avós fingiam que estavam horrorizados com nossa aparência e comportamento, mas na verdade eles sabiam exatamente o que estava acontecendo. Fomos ludibriados pela Máquina do Sistema, que era muito mais inteligente e eficaz do que jamais poderíamos ter sonhado, nem em nossos pesadelos mais aterrorizantes.
Não obstante, a maioria dos punks que eu conhecia acabou cortando o cabelo e encontrando seu lugarzinho na sociedade. Todo mundo casou, teve filho, arrumou emprego na empresa do pai, e hoje vive por aí, achando graça de um dia ter gostado de punk rock. Alguns poucos ainda curtem o som, e um ou outro ainda tem banda; mas existe uma certa magia, um fascínio grupal que se perdeu para sempre. O punk que eu conheci sobrevive hoje apenas em indivíduos, que de vez em quando trombam no supermercado e combinam de tomar um chopp para relembrar os velhos tempos.
Hoje, quando ligo a televisão, vejo programas como "Rebelde" e "High School Musical", e percebo que o nefasto plano da MTV deu muito certo. De 1984 para cá, tudo o que havia de mais honesto e revolucionário na música alternativa foi rápida e eficientemente transformado em estilos e produtos prontos para o consumo. O que restou foi um xerox colorido, enquadrado em vidro sem reflexo, à venda por R$ 500,00 na loja da Adidas mais próxima de você. A música que os jovens ouvem hoje em dia se resumem a versões pseudo-metal de músicas do Fábio Júnior, e música eletrônica repetitiva sem letra, sem melodia, sem harmonia, sem idéias, sem ideologia, sem crítica, sem dor, sem medo, sem absolutamente nada que não seja uma batida contínua que faz com que as mulheres tomem ecstasy e tirem a roupa para os machos sem camisa.
Fim.
Discografia
- Dead Kennedys - Fresh Fruit for Rotten Vegetables
- Minutemen - Double Nickels on the Dime
- Black Flag - The First Four Years
- Discharge - Hear Nothing, See Nothing, Say Nothing
- Escola do Rock - filme sobre o plano maquiavélico da MTV para conquistar o mundo.
- Josie & as Gatinhas - sobre a MTV e a influência da indústria cultural sobre os jovens.
- We Jam Econo - documentário sobre a banda Minutemen.
- Botinada - a história do punk rock no Brasil.
- Fucked Up & Photocopied - história visual do punk rock através de flyers e cartazes.
- Mate-me, Por Favor - a história do punk rock, contada por quem estava lá.
A longa espiral sem começo nem fim
Eu sempre fui obcecado por espirais. Espirais e buracos. Desde sempre, não sei explicar por que. Não sei se existe algum estudo sobre isso, ou alguma condição psicológica que tenha isso como sintoma. Só sei que eu sempre foi obcecado com espirais. Os alvos (e círculos concêntricos em geral) sempre me pareceram muito bonitos, mas as espirais sempre foram mais cativantes. Não apenas por sua condição geométrica, e a matemática envolvida na sua criação, mas especialmente pela sua metáfora. A espiral é uma linha enrolada sobre um eixo, que cria uma ilusão de profundidade e de infinito. Ela parece desenhar um túnel, e nunca conseguimos ver o começo nem o fim dele. A linha é infinita, e assim também parece ser o túnel. Eu nunca consigo achar que é um túnel subindo. Sempre acho que é caindo. Que a espiral é um buraco sem fundo, e a qualquer momento eu
posso cair lá dentro e ficar caindo e caindo por toda a eternidade. Mas talvez a espiral tenha sim um final - é só que ele está tão longe que daqui não dá pra ver. A espiral é a nossa vida: parece que está sempre girando e girando no mesmo lugar, mas na verdade a linha do tempo nunca se encontra com ela mesma. Está sempre girando em direção ao infinito, ou melhor, ao final invisível que fica lá no fim da vida. E assim seguimos girando e girando nesse túnel descendente sem fim, sempre achando que estamos andando em círculos, mas sempre um pouquinho mais próximos do fim. Que é o meio.