7 de setembro de 2008

Gnosis x Arcanum

É foda. Domingo à noite, um calor infernal, jogo do Brasil rolando, e eu aqui sentado pensando na diferença entre gnosis e arcanum.

Mas é um assunto muito importante para mim. Vou explicar.

Existiam na Grécia antiga vários cultos ou seitas chamados "Cultos de Mistério", ou "Mistérios". Esse é um nome genérico para as organizações para-religiosas da Grécia e arredores até que o cristianismo chegou e se estabeleceu como o sistema de crenças principal daquela região. Os Mistérios eram cultos fechados aos não-iniciados, que não tinham ortodoxia e nem escrituras. Provavelmente eram organizações semelhantes ao que hoje conhecemos como Maçonaria.

A palavra "mistério" vem do grego musterion, que era o plural de musteria (μυστήρια). Nesse contexto, essa palavra significava "ritual secreto" ou "doutrina secreta". O indivíduo que seguia um determinado Mistério era chamado de "myste", "aquele que foi iniciado", da palavra "myein", "fechar" - uma referência ao voto de segredo (fechar olhos e boca) que os iniciados tinham que fazer em relação aos conhecimentos que eram passados nos rituais.

Existe também na língua inglesa a expressão "mystery play", que eram performances da Europa medieval organizadas por membros das guildas de ofícios, que eram conhecidas por esconder os segredos de suas profissões do público em geral.

Existe uma confusão entre os Mistérios e aquilo que no Brasil convencionou-se chamar de Gnose. Isso acontece, provavelmente, porque Gnosis é a palavra grega para "conhecimento". O conhecimento gnosis é diferente do conhecimento arcanum, a "sabedoria secreta". Esses eram os conhecimentos discutidos nos Mistérios. Enquanto os gnósticos esperavam encontrar o conhecimento através de revelações divinas, as religiões "misteriosas" assumiam que já tinham certos conhecimentos, e eles eram passados dos membros de maior graduação aos de menor.

Platão, que era iniciado em um desses Mistérios, foi criticado severamente por ter revelado ao público, através de suas obras, diversos princípios filosóficos "secretos".


Muito bem. E o que é que eu tenho com isso?


Acho que essa divisão entre gnosis e arcanum é a origem entre a eterna disputa entre a Academia e as Religiões. Enquanto nas religiões os fiéis esperam atingir a sabedoria através de experiências espirituais e contato com o Divino, na Academia existem os mestres que passam seus conhecimentos aos iniciados. O vestibular e o trote funcionam como metáforas aos ritos de iniciação dos Mistérios, e lá dentro existe uma complexa rede de hierarquia.

Platão representa aqui um acadêmico exemplar: contrariando a mentalidade dos Mistérios originais, e também das guildas de ofícios, revelou ao público geral os conhecimentos secretos dos cultos misteriosos. Infelizmente, em pleno ano de 2008, ainda existem muitos acadêmicos que pretendem manter seus conhecimentos escondidos dentro da Academia, exibindo-os apenas aos iniciados - e, não raro, nem mesmo a eles! Platão, democraticamente, transcendeu esses limites, permitindo ao público em geral usufruir, pelo menos em parte, dos conhecimentos misteriosos, reforçando a idéia de que o conhecimento não precisa vir do Divino.

Tenho orgulho de fazer parte desse Mistério que é a Academia, e espero seguir o exemplo do grão-mestre Platão ao desnudar perante os olhos do homem comum os conhecimentos "misteriosos" que adquiro com meus Mestres.

Tudo isso foi só para dizer que eu estou muito feliz porque minha dissertação de mestrado já teve mais de 17.000 downloads no meu site...

2 comentários:

Nicolau disse...

Muito interessante esse lance dos mistérios.

Não sei se isso poderia ser de fato a origem das brigas entre religiosos-não-cientistas e cientistas-não-religiosos. Identifico um pouco de cada postura tanto na ciência quanto na religião.

Não seria a postura gnóstica de certa forma similar aos cientistas que gostam de se focar na lógica? Acho que o próprio Sócrates, aliás, (e conheço _muito pouco_ sobre ele) foi um filósofo que falou bastante sobre o homem se libertar, e "andar com as próprias pernas" usando a sua razão para obter conhecimento. Essa postura eu vejo ainda no famoso lema da Royal Society, de que gosto muito: "nullius in verba", ou "segundo as palavras de ninguém".

Por outro lado tem cientistas que gostam só de sair falando sobre o que os outros falaram. Que acham que o importante é citar gente importante, e tals. Eu sempre critico muito essa postura, e falo disso quando discuto a respeito da Wikipédia no meio acadêmico!

Já na religião também tem disso. Tem gente que fala sobre como o importante é entrar em contato direto com Deus, ou sei lá mais o que, mas também tem gente que dá muito mais valor você saber citar o que fulano disse sobre o que falando disse sobre tal aspecto da religião.

O importante é a gente saber tirar o melhor das duas posturas.

Anônimo disse...

17.000??
Ah, fala sério, cê tem muitos amigos!
ahahahahahahahaha... Legal o texto e a idéia de abrir o conhecimento para todos. Viva a rede mundial de computadores e pessoas que pensam e agem com o espírito aberto.
abç,

Fidel