7 de outubro de 2008

Teenage Kicks

(esse post é diretamente vinculado a outro post que fica no blog da minha querida amiga Júlia, sobre o mesmo assunto, só que não, porém sim!)

Dizem por aí que todo adolescente é revoltado. Quando eu tinha lá meus 14 aninhos, eu bem que curtia o meu Nirvana e o meu Exploited, rabiscava um A de Anarquia na carteira do colégio, e dizia pros meus pais que não queria ser advogado. Eu deixei meu cabelo crescer, e isso causou uma comoção danada. Meus avós ficaram consternados - seu neto, cabeludo! Era um acinte. Eu ficava ouvindo também uns discos de heavy metal, e eles temiam pelo futuro da minha alma quando chegasse o dia do juízo final.

O que eu não sabia explicar aos meus avós era que, naqueles discos de que eu tanto gostava, eu encontrava uma verdade muito mais verdadeira que a deles. A verdade de que o juízo final já tinha chegado, que a gente já estava no inferno, e que daqui pra frente ia ser só isso. Que nada nunca ia melhorar, não haver nenhuma revolução, revelação ou redenção, muito menos intervenção divina.

Do "if you're going to San Francisco" que os meus pais ouviam na adolescência deles para o "walking these dirty streets with hate in my mind" que eu cantarolava enquanto andava pelas ruas da cidade, houve toda uma geração de mudanças.

Mas pensando melhor... será que houve mesmo?

Depois que o meu cabelo finalmente cresceu e eu fiquei parecido com um Ramone, minha mãe até que curtiu a idéia. Ela sempre quis ter uma filha mulher. Então ela adorava escovar o meu cabelo comprido e fazer tranças nele. Eu tinha que ficar 2 semanas sem lavar o coitado para ela parar de achar ele lindo e eu voltar para meu lugarzinho confortável longe da sociedade.

Aos poucos o som da "minha geração" também foi mudando. Aquela música que era tão agressiva nos anos 1980 já não surtia mais o mesmo efeito nos anos 1990. Em janeiro de 1991, quando o Sepultura tocou no Rock In Rio 2, o Max Cavalera foi preso porque teria pisado em uma bandeira do Brasil em cima do palco - mas logo depois a banda já estava no Fantástico, que louvava a carreira internacional dos 4 rapazes pobres de Belo Horizonte que agora ganhavam em dólar e excursionavam pela Europa.

E aos poucos a bola de neve foi descendo a montanha. Estilistas de moda como Vivienne Westwood e redes de lojas como a Hot Topic ajudaram a transformar as roupas que eram o uniforme dos punks em roupas fashionistas para consumo seguro das famílias de classe média. Coturnos e tarrachas ganharam a passarela, e são hoje vendidos alegremente em qualquer loja do centro ou dos shopping centers. Tatuagens e piercings viraram itens obrigatórios para pessoas chics, elegantes, descoladas, antenadas, e modernas em geral.

A mesma coisa aconteceu com o hip-hop, e lenta e progressivamente eu fui me afastando desses dois "movimentos". O ápice desse processo foi no dia em que o Roberto Marinho, um dos maiores ícones de tudo o que os punks brasileiros combatiam, morreu. Por sorte, eu tinha um show com a minha banda de punk rock naquela mesma noite. Mas quando noticiei a morte dele no microfone, ao invés de aplausos e gritos de aleluia, tudo o que ouvi foi um silêncio constrangido de pessoas que me achavam um canalha por estar celebrando a morte daquele homem que tantos hinos e fanzines punks haviam achincalhado.

Foi então que compreendi que, punks ou não-punks, hip-hoppers ou não-hip-hoppers, apesar da nossa fúria, ainda éramos apenas ratinhos em uma gaiola. A sociedade praticamente nos implorava para que fôssemos daquele jeito. A polícia praticamente nos agradecia por usarmos uniformes tão óbvios e gritantes, que os ajudavam a ir diretamente em seus alvos prediletos. Nossos cabelos compridos e espetados haviam sido cuidadosamente planejados por designers de produto na loja do Malcolm McLaren, em Londres. Era tudo um grande esquema, onde os nossos pais e avós fingiam que estavam horrorizados com nossa aparência e comportamento, mas na verdade eles sabiam exatamente o que estava acontecendo. Fomos ludibriados pela Máquina do Sistema, que era muito mais inteligente e eficaz do que jamais poderíamos ter sonhado, nem em nossos pesadelos mais aterrorizantes.

Não obstante, a maioria dos punks que eu conhecia acabou cortando o cabelo e encontrando seu lugarzinho na sociedade. Todo mundo casou, teve filho, arrumou emprego na empresa do pai, e hoje vive por aí, achando graça de um dia ter gostado de punk rock. Alguns poucos ainda curtem o som, e um ou outro ainda tem banda; mas existe uma certa magia, um fascínio grupal que se perdeu para sempre. O punk que eu conheci sobrevive hoje apenas em indivíduos, que de vez em quando trombam no supermercado e combinam de tomar um chopp para relembrar os velhos tempos.

Hoje, quando ligo a televisão, vejo programas como "Rebelde" e "High School Musical", e percebo que o nefasto plano da MTV deu muito certo. De 1984 para cá, tudo o que havia de mais honesto e revolucionário na música alternativa foi rápida e eficientemente transformado em estilos e produtos prontos para o consumo. O que restou foi um xerox colorido, enquadrado em vidro sem reflexo, à venda por R$ 500,00 na loja da Adidas mais próxima de você. A música que os jovens ouvem hoje em dia se resumem a versões pseudo-metal de músicas do Fábio Júnior, e música eletrônica repetitiva sem letra, sem melodia, sem harmonia, sem idéias, sem ideologia, sem crítica, sem dor, sem medo, sem absolutamente nada que não seja uma batida contínua que faz com que as mulheres tomem ecstasy e tirem a roupa para os machos sem camisa.

Fim.

Epílogo: Daniel Poeira continua ouvindo punk rock, hip-hop e heavy metal, mas desistiu de todas as bandas que tinha nesses estilos. Ele também ouve jazz, rock progressivo, baião, música sertaneja de raiz, samba dos anos 1960, blues, folk, polka, Beethoven e Mozart. Poeira ainda raspa seu próprio cabelo, só vota nulo, não acredita em Deus, e só usa camisetas pretas, simbolizando o luto pela morte de todas as besteiras em que ele acreditava.

Discografia
Filmografia
  • Escola do Rock - filme sobre o plano maquiavélico da MTV para conquistar o mundo.
  • Josie & as Gatinhas - sobre a MTV e a influência da indústria cultural sobre os jovens.
  • We Jam Econo - documentário sobre a banda Minutemen.
  • Botinada - a história do punk rock no Brasil.
Bibliografia

2 comentários:

Carla Marin disse...

Não se sinta só. Não sei se vc conhece esse texto, é de 96 ou 97, mas como tudo o que é bom, não tem data de validade:
http://www.thebrpage.net/index.htm?http&&&www.thebrpage.net/article/detail.asp?iArt=319&iType=28

luzinha disse...

se a gente não fosse amigo, eu ia te perguntar agora assim: 'daniel, vão ser amigo?'